segunda-feira, 1 de setembro de 2014





"Quando a conheci, pensei que deitava as mãos à vida e a agarrava, que agarrava qualquer coisa em que podia ferrar os dentes. Em vez disso, perdi por completo o domínio da vida, fugiu-me das mãos. Estendi os braços à procura de qualquer coisa a que me pudesse prender, e não encontrei nada. Mas, embora ao estender os braços, ao fazer o esforço para agarrar, para me prender, ficasse tão sem nada como antes, embora isso acontecesse, o certo é que encontrei qualquer coisa que não procurara: encontrei-me. Descobri que o que desejara a vida inteira não fora viver - se o que os outros fazem se chama viver - e, sim, exprimir-me. Compreendi que nunca tivera o mínimo interesse em viver, mas apenas isto que estou a fazer agora, em qualquer coisa que é paralela à vida, que, simultaneamente, faz parte da vida e a ultrapassa. O que é verdade pouco ou nada me interessa, nem tão - pouco o que é real; só me interessa o que imagino ser, o que asfixiara toda a vida a fim de poder viver. Se morrer hoje ou amanhã ser-me-á indiferente, sempre o foi; o que me incomoda, o que me ulcera, é que mesmo hoje, após anos de esforço, não possa dizer o que penso e sinto."

Henry Miller, O Trópico de Capricórnio

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