terça-feira, 2 de agosto de 2016





♫ Yo la Tengo - Sea Horse 


*

Para sempre sempre foi
Aqui

(tens os olhos abertos?)

*

Parto com o amor por toda a vida
Parto com o amor de toda a vida
Ah não posso partir - Amor. Estás cá e eu estou em ti.

*

Tu que ainda não nasceste, para ti escrevo. Lembrando a maresia e o sol ao fim do dia. É por isto que nascemos, é por isto. Ninguém sabe, ninguém soube estar cá, senão quando nada questionávamos abertos a tudo isto. E ninguém sabe quando partiria, se pudesse escolher a sua hora. Talvez quisesse partir hoje ao fim do dia, o mar diante mim. E sou jovem. Não sei como pareço aceitar o fim assim. Se os anos são grandes jornadas de repetições abraçadas, desejadas, e inovações pontuais.

Eu tive a morte a acompanhar me a vida inteira.

Em silêncio orava sem palavras e sem conceitos. Somente um estado puro de sentir. Contemplação. Gratidão. Saber estar aqui sabendo que todos os dias findam e nós próprios findamos quem fomos ontem. Quem fomos ontem e no último momento. Cada momento transmutou-nos. Cada momento transmutou-nos para algo mais, nunca um pouco menos, esperamos. Como ondas informes sob um sopro divino, moldando-nos as engrenagens de carne e espírito. Fomos ontem e somos hoje outra coisa com vagas memórias sem corpo, imagens fragmentárias, sentidos, o sem palavras da experiência guardada por desígnio natural. Somos criaturas de memória. E debaixo do tempo choramos e rimos. Neste intervalo nunca mudo entre quê? Não há nada, ou não estaríamos aqui. Nunca fomos nada ou seríamos nada. Nunca seremos nada se nada não existe. Mas quem somos então? No início. No fim. No início quem fomos. No fim quem seremos? Se eu pudesse escrever a vida numa linha o que diria? - Que sentir é tudo, por isso sente. Por isso vive, se a vida é tudo o que há. Se a vida é o fundo da própria vida, porque nada não existe. É tudo. És tudo assim tão pequeno. E no teu silêncio, olhaste com os olhos da tua alma a paisagem em movimento pensando no mar ao fim do dia, e na sua ancestral canção. Não há medo. Não há razão. Há isto de ouvir assim tão leve o mar e leve ir embora. Para ti que ainda não nasceste – sei que estás cá. Sei que estás cá porque nada não existe. Porque o prenúncio vive no ante-ser das coisas e todas as coisas foram e são um permanente devir. Sei que estás cá e já te vejo a tropeçar na areia e a erguer castelos com as tuas pequenas mãos. Vejo-te a caminhar para a areia, a sentires pela primeira vez o sal do mar e a macia areia sob os teus pés. E o teu olhar deslumbrado perante o horizonte infinito. E o meu olhar mais que vivo olhando-te sabendo-te meu filho. És de mim. Sempre estiveste aqui como o silêncio pai ao meu lado. Vives agora como possibilidade certa. És a própria vida. Em qualquer tempo, em qualquer mundo com céu e mar. E onde eu esteja. Eu – percepção. Eu-humana. Ou outra coisa que sente. E ri e chora para todo o sempre. Olha o mar que nos olha e diz-me agora – se não morrerias para nascer de novo e olhá-lo com os olhos virgens. É isso a vida. É a nostalgia na esteira de cada momento. É a nostalgia, os estranhos estandartes ulteriores de saudade herdados em cada agora autêntico, a dor do impossível regresso, a fé de um possível regresso transpondo a morte.

Descansa. Não há nada. O sol, o céu, o mar, a terra, fazem emergir novos olhos para os olhar.


*

[ thanatos]

É um pânico e simultâneo gravitar em torno de ti
Atração distante, abstração insone
No falta de fé e cansaço
E mesmo na mais pura suspensão
Estás cá, na sombra do momento
Prenuncio de fim,
Não saber estar aqui
Enquanto não te souber mais de perto. 





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