sexta-feira, 4 de março de 2022

Transcrição de sonho ( 23 de Dezembro de 2021)

O sonho é o lugar do paradoxo absoluto - do paradoxo senciente, amovível, lugar de distensão do tempo. Ela sabia que sonhava, e, no entanto, que tinha de ir trabalhar. Este imperativo era essencial, mesmo no sonho. Ela sabia que estava dentro de um sonho, mas tinha medo de engravidar, de se atrasar, do seu rosto se lacerar sob o ataque de um lobo gigante. Mesmo no sonho havia dor, daí a compulsão por defender o rosto. A estupefação era a de Cristo: uma inocência espezinhada, uma inocência abandonada pela própria Inocência. "Porque me atacaste? Apenas queria apanhar um objeto que poluiria aquele chão".

Assim é na vida lúcida, real. F. Diz-lhe que não pode esperar que o mundo lhe devolva o reflexo - que lhe dê a mão, a segure, a ajude, seja bom. Às vezes o mundo ataca-a, como o lobo - Injustamente, gratuitamente, sem razão (inteligível). Mais dolorosamente porque no fundo estava a fazer uma qualquer “boa” ação (ou tinha boa intenção). O sonho é o lugar onde o tempo de vigília, seus confrontos, anseios, medos, frustrações, são encenados. Em metáforas várias: o medo eram prisões subterrâneas secretas num aeroporto sem lugar. Cães gigantes de olhos azuis atacando-a. A ansiedade era a perda de noção do tempo, dia, hora, não saber se tinha de ir trabalhar.

No sono profundo há descanso, reparação. Nos sonhos, um prazer (ou sofrer) secreto de observar e sentir além do espaço e do tempo - Imagens de sítios que nunca se visitou; resistências ao movimento; alucinações mais vívidas quanto mais instável o sono, quanto mais doente o corpo. (Serão os sonhos o somatizações psicológicas? )

  [Serás humano até ao fim] caminhas tocando as paredes numa divisão obscura os caminhos múltiplos, as escolhas pressionadas por um tempo de...