segunda-feira, 1 de novembro de 2021

 


Umbilical

esquecemos que as flores eram lesadas

pela sombra do amor

sempre estivemos ligadas

a tua dor é a minha, mãe


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Descartes

há um abismo que mora dentro

que explode imaturo

tempestades de granizo

sob pétalas inocentes 

como se a dureza fosse vida

como se as coisas mais preciosas não fossem

perigosamente frágeis

nunca me esqueci daquele quarto

daquele edifício

para onde vão os proscritos

no mundo olham para eles

como culpados

como se tudo se tratasse de uma vontade mágica - viver


Lipovetsky e a transcêndencia do niilismo

 

Christine Spengler - Londonderry, Northern Ireland 1987


 Reflexôes sobre a obra Tempos Hipermodernos de Gilles Lipovetsky



   Talvez não sejamos niilistas completos: a mercantilização da vida também reforça os direitos humanos, a democracia. O individualismo ( (se não for demasiado profundo) paradoxalmente dá nos uma noção de valor e empatia para com os sofrimentos do outro. A desilusão das grandes ideologias/utopias desaguou um mundo mais apolítico, onde o neoliberalismo toma rédeas, mas não nos tirou toda a consciência de barbárie que também se mostra de modos não sangrentos mas subtis, na precarização laboral, na desigualdade social, na exploração das massas. A dessacralização do mundo reaviva novas formas recicladas de espiritualidades, sincretismos, identidades. O culto do presente não flutua num imenso efémero hedonista mas está também carregado por ansiedades futuras, bem como por necessidades de novas formas de estabilidade estruturais no indivíduo anómico - hiper individualista, entregue somente a si, hiperinvestindo em si, num consumo que atravessa o material e chega ao consumo emocional.

Já não somos pós modernistas no sentido de revolucionar antigos papéis e sonhar futuros promissores de liberdade e igualdade.
Somos hiper porque as categorias se confundem e vivemos assoberbados pelo presente, por uma cultura de eficácia, velocidade, consumo, lazer, trabalho, individualismo, revoluções tecnológicas e mercados financeiros. Os ideais ficam esbatidos, as lutas adormecidas, o futuro em aberto. No entanto, depuradas pelos massacres da História ficaram réstias de verdade, de fundamentos inerradicáveis, que ainda acordam em todos nós e clamam por realização. Mais que autómatos, temos de analisar o mundo, tão mais imperativamente quanto mais rápido este corre.

Melanie Challenger e uma defesa naturalista

Fonte: Juan Osorno

 

Edição portuguesa: Ser humano, Ser animal

Dissecação do antropocentrismo e do racionalismo que define o Ocidente como uma impressão digital que longe de ser congénita é histórica e socialmente adquirida.
O conceito de dignidade, o especismo, a biotecnologia e os paradoxos concomitantes que enfrentamos no transumanismo tão próximo. A negação de sermos um animal e o separatismo inevitável, o divórcio com a natureza e a vontade de domínio e controlo.
É impossível avançar tecnologica e moralmente sem uma reflexão profunda sobre aquilo que somos e para onde vamos. Despidos de pretensões de superioridade de raça, talvez possamos comungar e acenar com respeito para todos os seres. Talvez fossemos melhores, se nos víssemos como animais. Sem repressão da vergonha de nos vermos nus, da senescência, da morte.
Com a empatia, compaixão, vulnerabilidade, hostilidade, medos e ansiedades.
Challenger escreve com paixão, com maestria, num estilo que ultrapassa a mera objectividade da divulgação científica, conseguindo a tónica sensível capaz de chegar não só à mente como ao coração do espírito. Impactante, surpreendentemente simples o tema mas com repercussões paradigmáticas na discussão ética do presente e do futuro da evolução humana.


  [Serás humano até ao fim] caminhas tocando as paredes numa divisão obscura os caminhos múltiplos, as escolhas pressionadas por um tempo de...