sábado, 30 de novembro de 2019





Noite 30 de Novembro
Dizer te que estou numa convalescença eterna
E não sei dizer te o meu regresso
És a paragem de vida
Que me distrai do que nunca curei
E se me pedires mais bloqueio no ponto em que fiquei
Prevalece a visão
A antevisão
De todas as coisas que morrem
E segurar te nas mãos
Sem degeneração
É tudo o que quis e corro em contramão
Contra as ondas
O meu segredo mais fundo - preservação da inocência
Sermos monumentos
Pais um dia, além do nosso sangue
Além dos nossos sonhos
Algo verdadeiro
E brilhante
Sem réstias de todos os destroços da margem eterna, humana
Sermos lembrança do impossível

Lamaçal e transcendência

Aos poucos sinto o dia clarear
Com as coisas mais simples
Em troca a labareda
Transação madura
Não sabia a forma fria
Da sabedoria
Que vive a par com movimentos interiores
Disruptores
Da raça da minha raça
Sou ainda animal
A transcendência é um sonho
De saldação impossível?

Presente Ausência
Em olhos inocentes amedrontada com o devir
Do meu próprio ser, do nosso, amor
Medo que nos roube de nós
O paradoxo maior : a maior beleza nos separar
A par com o mundo
Tirano do tempo
Faria tempo, se pudesse, mas algo morre em nós
na própria largura do tempo que criamos
Ou assaltamos
Momentos
Deviam ser como diamantes ou fontes em paragens desertas
Acalmia depois da voragem de todos os dias
Onde pertencemos a tudo menos a nós
Vejo os estilhaços de perto
E vê los ao longe seria mais suave
Como a Ausência é mistério, informe
Pesadas as suas mãos
Sobre as coisas mais leves
Natural a sua lógica
Menos dolorosa
Do que sentir te longe olhos nos olhos
Vejo os estilhaços de perto
Contra o teu próprio corpo
Junto aos teus lábios
Longe a memória do fogo
Já somos estranhos
(Já estivemos aqui quantas vezes?)

domingo, 24 de novembro de 2019



Vários dispersos (2019)

(Imorredouro (da Inocência )


não farei de ti um objeto para minha vangloria porque és um ser independente e eu só te ajudo a levantar e a andar. deixar-te ei desarrumar a cozinha e fazer bolos, serão maravilhosos. deixar-te-ei conduzir livremente. não farei dos meus medos os teus. não te exibirei como filha, os teus talentos resguardarei. que te seja um pilar seguro e sereno, madura e com um olhar de paz mesmo no meio das mais profanas guerras, porque sim: há coisas sagradas. contar-te-ei. e quando tudo te falhar, o teu juízo – amor. não penses muito. Sente-O. ele basta-te. ele compreende. ele abarca-te. ele aceita-te. ele faz-te despir como mais nada. ele faz te voltar a ti quando te perderes. na asa do riso tu de novo inteira e com coragem. com voz. com atitude. eu vou mãe. porque quero. eu convido, porque quero. e o vazio é a distância entre mim e o meu pai, essa lágrima sem referência. essa solidão. negligências e carências empáticas. incomunicabilidade, severidade e estreiteza de juízos. de novo a resposta - amor. e o amor vive nos seres sãos. as vezes afastamo-nos da nossa casa. para criar uma nossa. uma nova. depois das lágrimas. espero que não vejas demasiado. espero que vejas demasiado. mas tenhas o leme do teu espírito. elevado. mergulhas mas o fôlego é enorme, menina. o céu é reconstruído, quando o sangue não se faz amargo. daí estas palavras. caminha. confia. acredita. em ti. e verás onde firmar.

*
sofremos na imaginação, possivelmente somos o único animal a fazê-lo. sofremos por antecipação, sofremos o que ainda não existe. uma possível separação, afastamento. uma possível doença, um futuro incerto. imaginamos tragédias, possibilidades e inquietações. poderíamos também simular felicidade? plantar boas visões e senti-las? ter prazer da imaginação do mesmo modo que se sofre de imaginação. seria assombrosamente reconfortante, conseguir achar essa chave, desbloquear esse poder. Talvez nos colocássemos nesse estado de energia mais benévolo e potenciador, criador, desse mesmo futuro que imaginámos. E chegaríamos até ele plenos como imaginámos. eu tenho visões de uma criança nos meus braços com a sabedoria dos anos. esse finalmente não fatal, esse finalmente como destino e certeza depois do turbilhão do crescimento. essa tranquilidade do espírito, sentidos não saturados e ainda abertos ao milagre de cada dia. dou-lhe a mão e sorrio, chapinha na água do mar, o horizonte como uma espada beijada pelo sol. vejo o meu irmão com o seu filho. numa sala, um evento familiar. crianças na sala. essa visão, deveria bastar-me. deveria inspirar-me a persistir. com toda a força, toda a vida, que essas imagens evocam. implantar a força, cunhar no sangue de todos os dias essas visões tão simples, tão humanas, que justificam absolutamente toda a morte. gerar uma geração mais nobre, que escolhe subir à superfície e respirar, em vez de adormecer nas dunas profundas onde o sol já não chega. “Tudo se ordena, tudo se justifica", ecoando como mantra no meu espírito.


Junho

suponho que ande a espera de surpresas à espera de casas. à espera desse encontro com algo suficiente. cúpula onde o ar possa circular. suponho que queira o poder de inverter o tempo sem esquecer a experiência. essa superomnisciência e nada saberia afinal. como agora nesse vago denso abstrato cérebro direito e no esquerdo a linguagem que não abandono. suponho que quase tudo suporte menos não ter tempo e só ir dormir a casa. sem esse espaço onde navegue ou simplesmente ouça vagamente (o silêncio?). se eu pudesse voltar atrás não saberia ainda a estrada. digo que vejo sinais mas os sinais são simplesmente os meus olhos que não esquecem aquilo que os apaixona e então veem antes mesmo de mim, nesse olhar que não procura e se surpreende com um título na prateleira - Franz Boas ali perdido e eu com nostalgia de outros sonhos. sinto que fui lá para ter histórias para contar e nostalgia de viagens nunca empreendidas. Boas numa cabana do Alasca, Malinowski e os Argonautas do Pacífico. e se eu quiser estudar de novo pensarei que estarei a fugir do mundo perdida na minha própria cabeça. apenas a fugir desses sacrifícios seculares que me parecem apenas e só vazios. ainda posso ver asas em humanos varrendo ruas, sim, mas não me vejo com asas numa rotina que me despe do tempo onde as ganho.

 (sonhos) morremos pelos nossos sonhos ou a ascensão nunca se deu. não sei porque pretextos, mas tenho medo de não ter lugar no mundo se me perder demasiado tempo aqui onde estive e voei. quero ao menos ser livre na minha cabeça trabalhando 10 horas por dia.

onde sinto perder o meu corpo nada apetece. se a vitalidade adormece para a ação pragmática e concentrada, técnica. dormir contigo…o tédio despoletava o desejo. o excesso de tempo fazia-me imaginar-te mais vezes, e a imaginação é fogo.

provar a mim mesma que sou capaz de sobreviver assim como todos vós. provar a vocês, talvez, mais que a mim, que nada rejeito e que de tudo tive saudade. e respeito cada um que se levanta antes do sol nascer e se deita antes de o ter sentido na pele.



MF


30.07.2017



Pai agora sei
que tinhas razoes para teres o coração nas mãos por mim
porque sou tao frágil
e não aguento divorciar-me de um sentir abraçado contra o coração
apagamos as fotos e escondemos tudo o que nos lembra
mas a memória que mais doí não é objeto
não nos despregamos da memória
e a beleza dói porque findou sem beleza




anamnesis


21 de Novembro – diário

Fim do dia:
Por vezes é melhor pensar depois de um banho. O cansaço do corpo deturpa a mente e os seus juízos são tirânicos. Acusei-me de uma fragilidade que é sinónimo de fraqueza. Dividi o mundo em fortes e fracos e coloquei-me do lado de uma criatura despojada, que desistiu, a um canto. Tal a gravidade do peso afetivo, que a liga a casa, ao amor, o mais etéreo e o mais carnal. Porque é o meu corpo que sinto acima de tudo. Como ferido, assolado, ao nível mais animal. Sim, como um animal de carga despido da humanidade ou do falso divino com que me cubro em ilusão? Porque não me sinto capaz de ir sozinha para longe, sabendo que o amor esperará sempre por mim no regresso? Porque insisto em adensar a tristeza, o pânico, chamando fraqueza à minha maior força - a sensibilidade, a empatia, a vontade que tenho de tocar, sentir perto, o calor de quem amo. Não pretendo que isto seja subterfúgio, sublimação. Pretendo que seja um lembrete de como a privação dos teus sentidos, espirituais, emocionais, físicos, tem um poder imenso sobre os teus juízos, percepções. Tornam te uma fuga urgente ao compromisso e sacrifício. Prendem te à dor do aqui e agora esquecendo te que tudo vai. Depois de um banho, sono, visão de alegria, as coisas mais simples. A voz do outro lado, do teu namorado, mãe ou irmão ou amigo. A tua cadela extasiada pelo teu regresso. Faz te sorrir. Faz o estranho fundo dissolver se em clareza, paz, sem imagens ou intuições obscuras, que comprimem o que chamas de coração. Nunca soubeste, dás-lhe nome agora. Esse sentimento de achares que as tuas lágrimas são mais profundas que as outras lágrimas humanas nas mesmas circunstâncias. Irracional, egocêntrico, sabes. Mas não deixaste de sentir que não aguentarias sentir aquilo por mais tempo, sem capitulação. O sentimento de seres uma criança, um tropeço profundo, um desequilíbrio patológico que não te deixa ver o teu próprio centro apaziguador, primitivo, de força. Estiveste contigo desde sempre e esqueces que aprendeste a andar por ti e andaste toda a vida, na maioria dos segundos de cada dia, em união contigo. Transferiste, por erro condicionado pela vulnerabilidade de uma experiência, o teu Deus, o teu berço, para um humano. Que não suportas longe. Porque tudo se anula? Se tens tanto amor e beleza em volta....

Manhã:
A sensação primária - a de uma indiferença absoluta pelo parecer final. Em modo automático concorro, mais uma vez. Sem sentimento, sem nervosismo, porque sem paixão. Porque nada disto me importa e sou inocente, a parte maior de mim é inocente e diz que o amor é a única coisa que importa. E o amor é a mesma coisa que dói quando longe. Portanto, queria estar perto e sentir-me realizada. Aguentar os dias maus com o amor ao fim do dia. E não aguentar dias maus com o amor longe. Há muita revolta irracional em mim. Na visão destes sacrifícios, destas covas que ironicamente escolho cavar. Como se não me conhecesse depois de tudo... A impaciência governa-me agora imiscuída com uma fria ausência. Os rostos e passos apressados (ainda é noite,) à saída do cais, do metro. Milhões de vidas em corrida cada dia, antes mesmo do dia clarear... (Chegarão a casa também de noite?) Qual o conceito de vida para estas vidas? - (não o sei mas) transtorna o meu conceito de vida (abstrato, afetivo) e compreendo os que se esgotaram. A mim, que em estado micro já sinto o tempo tão acelerado, os meses voam, por um punhado de notas na conta ao fim do mês. Sou da vida, sou dionísica, e adormeço a pulsão, adormeço a criança como soldado bem formado, rígido, com os sonhos na sacola enterrada bem longe, bem fundo, sem memória. Apenas uma vaga tristeza te recorda da perda de algo talvez pequeno, mas imensamente importante. Não sei dizer, mas sinto quando o amor me chega e amo, olhos nos olhos, num abraço apertado.
Acusas-me friamente de negativismo. E eu acuso-te infantilmente de conformismo. Como se o amor e o tempo fossem leis sagradas, que não pudessem ser transtornados pelos ritmos que criámos para o mundo. O amor é tempo. O amor morre sem tempo, ou melhor, morre aquilo que ama em nós, morremos. E continuamos a correr sem expressão viva no rosto, como autómatos.
Na visão da cidade cinzenta, das pessoas a correr, eu sinto a anti-vida, o medo de tornar me assim. Esquecer o amor no processo de calcificação afetiva. Sim, tornar-me tão fria para não doer até doer permanentemente sem possibilidade de esperança no amor. Na graça.

Não sei qual o meu lugar no mundo. Ainda quero sentir-me perseguir alguma coisa. Nervosismo no corpo, assinalará a importância. A calma mente, porque é indiferença, gesto automático. Como da última vez. Dói-me a antecipação da solidão mais funda. 

(Porque peço tanto um berço?) 

A insuflação de vida é paliativo do mundo.

17 de Novembro


Poderia estar no topo de uma revelação ou no fundo de um poço?

Pretenderei sempre entender estas novas modalidades da tristeza

Solidão?

Como se apenas tu me bastasses e fora de ti fosse  vazio

Como se procurasse algo que me curasse desta ingratidão de insuficiência
A plenitude outra vez, no dia a dia.


24 de Novembro

No mesmo lugar outra vez. Digo que aprendi. Mas foi proscrito. 
E temos saudade. Do desconhecido. Temos saudade da interrupção dos dias. Do crepitar, do anseio, da saudade, a morte é para os gregos. Diziam. Cruzamo-nos. Sem nos vermos.

Pensava sinais, pedia sinais. Para voltar a casa. Porque não me basta? Vivemos a mil à hora e o amor depura lentamente. Eu vejo-nos como todos os outros – meras formas do que foram. Não tenho medo de ir embora, como se nada me prendesse. E digo (cobardemente) que é uma vantagem para o sacrifício que enfrento, o sacrifício possível de estar só, bem longe. Unicamente comigo. Sem o calor mais humano, onde adormecia toda a inquietação e cansaço. 

Porque coragem é ir com todo o coração. E eu, quero ir esvaziada do que amei.


Pergunto se peco dentro de mim. Na imaginação. Na ingratidão. Pergunto-me porque as cores de dentro se multiplicam, transformam, transtornam. Pergunto-me o que aconteceu a todos os ontens. A toda a impulsão que me movia para ti. Ainda espero o acordar, o despertar, que acompanhe o meu sonho de permanência ideal. 




  [Serás humano até ao fim] caminhas tocando as paredes numa divisão obscura os caminhos múltiplos, as escolhas pressionadas por um tempo de...