quarta-feira, 25 de julho de 2018





MEMORANDOS


Noite 24 de Julho de 2018


é que eu hoje corri e já aceito
tal nostalgia no meu peito
porque sei que as memórias são só minhas
e não fundidas
então, o retorno da separação é ilusório
eu vislumbro os candelabros de uma luz passada e esses feixes de imagens impossíveis à linguagem. (ou à minha linguagem). 
é uma ideia que mil vezes tentei escrever (em vão). 
porque só aponto com as palavras - a vertigem de não me ter. 
de tanto me ter no alto. de tanto me ter no teu peito, eu esqueci o meu. 
eu esqueci o meu peito.
e se alguma vez o tive. afinal, eu chorava pela minha mãe pensando abandono. e era só o inverno. eram só os dias mais curtos. e o desaparecimento do sol e a chegada da noite batalharam me os sentidos. e os meus pulsos. as minhas mãos tiveram pássaros aterrados desde então. por uma chegada. um sopro através da fresta. uma paz. por outra mão. e no amor, eu não sei se mais do corpo ou do espírito, no amor afundei me mais que na mais funda solidão. porque a solidão adensou se na visão desse hiato -  entre a  minha memória e a absência da tua em mim. essa loucura de não nos chegarmos aportou em mim. não despregou de mim (até agora, que corro e inspiro em paz o ar, sem peso). 

a imaginação foi partida em quartos . e eu penso te aceitando a ilha que és. as ilhas que somos à percepção de uma sensibilidade que se quis estender para lá de um corpo. para lá de uma vida. ( eu não sabia - que para lá da vida só sofremos a ganância da eternidade impossível.) do tempo caindo a pique sobre nós e nós olhando-nos hoje, de longe, estranhamente estranhos a quem fomos quando não nos sabíamos. eu sentia saudade desse vazio que nos antecedia. desse mistério que nos fazia olhar um para o outro como algo de divino.
 eu não quero ir. cada lágrima gritava eu não quero partir. (estás comigo e eu já sinto saudade). mas como ficamos no tempo mergulhados de memória ? incomunicável . são só vultos. como as palavras são signos para os quadros sentidos do coração. caminha por dentre mim, eu orava, e nessa fusão talvez a memória não precise de ficar além de nós. flutuando num espaço que idealizava. a criança em mim que não concebia os grãos de areia escorrendo através dos dedos ou os castelos ruindo no mar. chegava me que visses. tu que amo. dentro de mim, só nossa, a memória.

caminho para outra dimensão . onde somos sagrados separados. onde a poesia não me é fardo ou catarse. onde a poesia simplesmente é e nos descreve. onde respiro na vida mais que no labirinto da escrita. porque a vida está lá fora. eu sei. e o teu rosto chega me. e o meu peito..(.estou a fazer por me chegar).  pela primeira vez na vida. superando a criança que não sabia que era inverno. e que a mãe sempre voltaria para a ir buscar. e que dentro de mim há tudo isso. todas essas mãos. sempre comigo. apenas me separava - eu de mim. amo te e a todas todas as estradas corridas e figuras estendidas. todas as grutas e fugas porque no céu eu farei sentido. eu criarei a noite mediante o dia. e as respirações sofridas dão lugar a despedidas da razão mal centrada. e do espírito gasto em filosofias demasiados vastas ao coração. porque eu sei que tudo sei dentro. bem fundo e sob a égide da paciência. eu atravessarei a criança e todas as imagens que me paralisam.

 como poderia viver o profano se senti o sagrado ? - eu perguntava me saindo desse breve retiro. com o rasto de melodias distantes que murmuram ao espírito. de outro tempo e frequência de alma. eu saí e saio tantas vezes sentindo me estrangeira ao chão que piso, aos sons e rostos que se me cruzam. e não houve dissociação maior que o meu amor. e escrevi sobre pérolas e seixos comuns e solidões e sacrifícios de visão /fusão . escrevendo sei que esta escrita assim escrita não serve o propósito maior : de me ter segura e inteira neste mundo híbrido. de profano e sagrado. e trazer o sagrado no meu peito é tudo o que quero. e tudo o te quero dizer : que é possível. achares te fundo, aos teus sentidos, a transmutação das tuas lágrimas. acordada e viva outra vez. não te feches , olha para os olhos da criança que foste com amor. porque o abandono é ilusório. o vazio é a tua razão sem chão. mas há tanto chão que não atinges. e o mar deu te um chão sem palavras. (e de ser sem palavras te esqueces  . ) apenas te olhas na memória e há um sentir com mil anos de oração. que descende do coração. e abraça a cabeça. esse estado de solidão unida a tudo. onde és e te bastas. e te elevas diante algo primordial e profundo. Obrigada. diz adeus às palavras - todas que não te tragam à superfície. ( são tortuosas e habilidosas formas de despejo).


MF




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