Transcrição de sonho ( 23 de Dezembro de 2021)
O sonho é o lugar do paradoxo absoluto - do paradoxo senciente,
amovível, lugar de distensão do tempo. Ela sabia que sonhava, e, no entanto,
que tinha de ir trabalhar. Este imperativo era essencial, mesmo no sonho. Ela
sabia que estava dentro de um sonho, mas tinha medo de engravidar, de se
atrasar, do seu rosto se lacerar sob o ataque de um lobo gigante. Mesmo no
sonho havia dor, daí a compulsão por defender o rosto. A estupefação era a de
Cristo: uma inocência espezinhada, uma inocência abandonada pela própria
Inocência. "Porque me atacaste? Apenas queria apanhar um objeto que
poluiria aquele chão".
Assim é na vida lúcida, real. F. Diz-lhe que não pode
esperar que o mundo lhe devolva o reflexo - que lhe dê a mão, a segure, a
ajude, seja bom. Às vezes o mundo ataca-a, como o lobo - Injustamente,
gratuitamente, sem razão (inteligível). Mais dolorosamente porque no fundo
estava a fazer uma qualquer “boa” ação (ou tinha boa intenção). O sonho é o
lugar onde o tempo de vigília, seus confrontos, anseios, medos, frustrações,
são encenados. Em metáforas várias: o medo eram prisões subterrâneas secretas
num aeroporto sem lugar. Cães gigantes de olhos azuis atacando-a. A ansiedade
era a perda de noção do tempo, dia, hora, não saber se tinha de ir trabalhar.
No sono profundo há descanso, reparação. Nos sonhos,
um prazer (ou sofrer) secreto de observar e sentir além do espaço e do tempo - Imagens
de sítios que nunca se visitou; resistências ao movimento; alucinações mais vívidas
quanto mais instável o sono, quanto mais doente o corpo. (Serão os sonhos o somatizações
psicológicas? )
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