quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Evasão


Deito-me, súbdita de mim mesma, eremita num deserto agreste,
Fingindo esquecer tudo o que me quebrou,
Fingindo poder concertar pedaços já degenerados,
Fingindo ser inteira, ainda que desmorone em qualquer outra noite mais escura,
Fingindo que sairei de mim, algum dia,
Fingindo estar desprendida de tudo o que me puxa para trás, no tempo.

Repouso sob o véu do tempo que me carrega os ombros
De pesos e dores insustentáveis, nostálgica não do que foi
Mas do que poderia ter sido, se não fosse o tempo,
Que nos desgasta, se não fosse a vida, que nos ultrapassa
se não fosse eu ser eu, mas sim o que enceno, segura na mente

Assim choro a vida, as coisas que nunca serão
Assim olho a vida, sem a ver, sem a tocar

Presa que estou à minha eterna solidão, deito-me com um céu acima,
Um céu, onde os meus olhos se perdem e repousam baços
Um céu que me lembra de como sou pequena e sozinha
Um céu onde traço caminhos imaginários, onde sonho fora de mim

E medito sobre o tempo, sobre as histórias que abandonei,
Sobre tudo o que me não deixei ser;  E invento finais, na minha mente,
e invento tudo o que poderia ter sido, presa ao que foi, ao que fui,
ao que fomos, e fomos tanto com tão pouco

Repouso sob memórias, repassadas vezes sem conta numa mente
Estagnada no passado, e olho o céu lá em cima e sou tão pequena
E a vida é um segundo

Como poderia eu saber, o que seria se tivesse saltado, se tivesse
ficado e amado? Não me deixei viver, fui meu algoz, fui meu
abrigo falso e meu penhasco. Na flor da minha vida, só a mim me dei

E olho o céu lá em cima, que olha para mim também
Que vida tenho eu para mostrar? Estou só, nas mãos do destino
insondável e falaz, nas minhas mãos que prendem sem prender,
a alma outrora alada

Deito-me à margem da grande estrada, assaltada por visões felizes de mim
Um outro eu que não sou eu, acena para mim...
Podia ser tanto, mas nasci com cansaços sem nome, com uma alma 
que se esconde, de mim. Estou deitada na margem.

Sinto-me de novo sozinha, e olho o céu lá em cima, esperando me encontrar,
quando menos esperar. Esperando encontrar um sentido, para aqui estar.

MF

Sem comentários:

Enviar um comentário

  [Serás humano até ao fim] caminhas tocando as paredes numa divisão obscura os caminhos múltiplos, as escolhas pressionadas por um tempo de...