sexta-feira, 25 de abril de 2014

Eu



  Em criança era alegre, uma maria rapaz que fazia caretas para as fotos, vestia os calções do irmão e desmontava a tábua de passar a ferro da avó para fingir que tinha uma prancha de surf. Cresci, e uma timidez apoderou-se de mim, refugiei-me nos livros, através dos quais sonhava, e na música e desporto. Hoje ainda detecto vestígios de introversão, de isolamento - Prefiro passar uma sexta à noite, em casa em vez de sair, a ver um filme ou a ler um livro, acompanhada de chá. Adoro chá. Adoro muitas coisas, todas elas simples. Adoro o mar, adoro estar na água ao pôr-do-sol. Sorrio espontaneamente só de sentir o calor e o sal na pele, de olhar o horizonte e pensar no milagre que é estar vivo e na benção de sentir essa transcendência nas ondas do oceano. Nesse momento quase acredito em Deus, mas num deus impessoal. Adoro o céu à noite, adoro ficar na varanda numa noite de verão a ouvir música, completamente sozinha a olhá-lo e a imaginar todos os mistérios que encerra, a tentar perscrutar para além do que sou capaz de ver e pensar que sou feita do pó de estrelas, que tudo está interligado de forma perfeita, numa poesia viva. De repente sinto-me pequena e grande ao mesmo tempo: Pequena sob esse céu, pequenos todos os meus problemas terrenos e enorme porque tenho o universo em mim, em cada átomo. Adoro psicologia e filosofia, sou curiosa por natureza. Dizem que sou distraída mas na verdade ocupo a minha cabeça com mil assuntos que não interessariam a mais ninguém num raio de 50km. Adoro discussões filosóficas, mas não gosto de perder na argumentação, adoro dilemas morais, adoro discutir religião ainda que me considere ateia. Gosto de mentes abertas, e de pessoas sensíveis, adoro pensar, mas pensar demasiado também me faz mal. Adoro Wilde, Pessoa e Dostoiesky, partilho das suas mágoas e admiro todo o seu legado. Queria ser escritora, poeta ou romancista, não sei. Tivesse eu mais talento...  Amo as palavras e odeio números e coisas demasiado lógicas. Adoro ler quando vou ao café, mesmo que esteja muito barulho. Adoro falar com a minha mãe e discutir uma passagem do Livro do Desassossego. Adoro levantar-me mais cedo ao Domingo para ler ou para ver um filme. Adoro registar todas as minhas frases preferidas, sejam elas de filmes ou livros. Adoro ficar em casa quando chove e olhar pela janela, mas em dias de Sol só quero sair e correr ao fim da tarde; enquanto corro olho para as montanhas e maravilho-me com todas as nuances de luz, com o pôr-do-sol. Adoro piano, sentar-me e deixar as mãos livres comporem pedaços de músicas a partir de escalas. Pedaços que nunca acabo por desleixo talvez, porque algumas peças só me parecem belas na hora da composição. Adoro nadar, mas de forma relaxada. Adoro quem me faz rir, quem fala com paixão, com brilho no olhar daquilo que realmente gosta, e quem se interessa por me conhecer, por valorizar as coisas que gosto. Prefiro ouvir, mas também gosto de falar, quando me sinto à vontade para tal. Gosto de observar, no entanto queria ser mais perspicaz.  Vejo como a maioria das pessoas aparenta ser tão desinteressante, mas depois lembro-me que todos nós escondemos  e trancamos a mil chaves a nossa alma. Adoro falar pausadamente, ser séria e serena, mas também adoro ser extrovertida e fazer rir os outros. Adoro massa, chocolate e bolachas, adoro cinema e programas "nerds" de fìsica quântica, apesar de odiar física na escola. Adoro o budismo, mas ainda tenho tanto que ler sobre isso. 
  Pensando bem, acho que adoro mesmo muita coisa, algumas delas estranhas, mas mesmo assim sou um pouco melancólica. Sofro sem saber porquê, e tento fazer da dor poema ou devaneio. Sofro talvez por me sentir sozinha tantas vezes, ainda que rodeada de tantos amigos ou colegas; por não conseguir consumar todo o meu potencial. Sou calma, recolho-me vezes de mais a mim mesma e viajo dentro de mim, por pensamentos, palavras e principalmente por memórias. Sou sensível, sinto a dor dos outros, multiplicando assim a minha. Sou fria, mas quando amo, amo com tudo de mim. Talvez a frieza seja uma máscara que uso para me proteger pois quebro tão facilmente... Sou orgulhosa, mas não me leva muito tempo a perdoar, e sinto-me tão livre, humana e humilde nesse momento. Sou reservada, mas dispo a minha alma a quem for digno da minha confiança. Sou apática, mas também sou cheia de vida. Sou diferente, mas não me importo de ser diferente, de não querer encaixar-me em padrões ou seguir hábitos comuns. Sou complicada, mas também sou simples, pelo menos para mim. Sou um pouco estranha ou neurótica, às vezes penso que tudo o que acontece tem como alvo eu própria, mas sou tão lúcida na análise que faço de tudo. Sou ingênua, acredito demasiado nas pessoas, não espero que me façam aquilo que eu seria incapaz de lhes fazer; gosto de quase toda a gente, sendo o meu segredo realçar o seu lado bom e quase esquecer o lado mau. Coloco-me no lugar dos outros e vejo tudo pelos seus olhos, acredito que todos nós estamos no mesmo barco e sofremos todos em silêncio. 
  Não quero viver superficialmente, quero desenvolver-me interiormente do melhor modo que conseguir. Não me importo de ser uma rapariga que lê Dostoiesky e que quer ler Niezstche, ou que ouve Nine inch nails mas também folk rock e eletrónica, ou que tem um bloco de notas na carteira em vez de uma caixa de maquilhagem, para o caso de lhe vir à cabeça uma ideia, ou frase para um futuro poema. Não sei às vezes quem sou, o processo de construção é contínuo, mas tenho uma ânsia por saber sempre mais, uma pressa de viver, sentir e ver tudo, e uma pressa de parar a contemplar tudo o que há dentro de mim.

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