terça-feira, 27 de maio de 2014

O farol

Kenton Henson

   Há um farol cintilante, ao longe, numa rocha. Distingue-se, chama a minha atenção, pois é cintilante numa paisagem igual entre si, em muitas milhas. Não sei quem estará lá, mas quero lá chegar, pois cansa este tédio, este mar. Mar que se revolta e me embaraça entre as suas ondas, cordas e algas à deriva. Afoga-me, submerge-me, faço um esforço para lutar contra as correntes que me puxam para o profundo abismo tão calmo, tão silencioso. Canta um sussurro aos meus ouvidos " - Deixa-te ir, não resistas, lá em baixo é um berço sem sonhos" - Mas abafo o sussurro dos meus cansaços - Volto, nado, luto e chego, à superfície, porque sei que a tempestade já deverá ter acalmado e há um céu azul, a melhor pintura de deus, à minha espera, para êxtase dos meus olhos. É real - o mar já está mais calmo. Aproveito esse instante plácido para nadar, serenamente, até ao farol que me chama. Nado, mas ele parece não ter ficado nem um centímetro mais próximo, qual miragem insidiosa...
   Não sei quanto tempo terá passado, o tempo não é medido aqui, por isso digo " um dia" - Um dia, senti um vento que acarinhou as ondas, e estas levaram-me, quase sem esforço, até ao farol. Não havia lá ninguém, era um ermo desolado. No farol, não havia nada à exceção de um espelho, o qual espelhou o meu rosto cansaço para que eu o pudesse ver, o qual me devolveu a imagem do sal translúcido, na minha pele enrugada. Senti ter envelhecido mil anos, senti que as memórias do meu tempo no mar, pertenciam a um passado longínquo de outra mulher. Subi os degraus, perfeitamente esculpidos, até à torre. Havia uma paz no ar, inerente a todo o local. Há medida que subia os degraus, essa sensação tornava-se mais forte. Cheguei ao cimo. Tudo estava perfeitamente limpo, como se o próprio farol se tivesse aprumado etéreo, para me receber. Vislumbrei o seu brilho emitido, direcionado para o mar. Daquele plano, sob aquele fulgor, tudo consegui ver. O mar era eu - Cheio de palavras escondidas, réstias de sinfonias e pensamentos, fantasmas de almas e imagens, memórias e sonhos não consumados. Ah! Só eu causei as tempestades... O céu está carregado de estrelas, adornado de uma beleza que arrebata recônditos sombrios de mim. Que imagem tão bela, vista do cimo desse farol - Estou em paz... e pensar que tantas vezes quase cedi ao cansaço,  a ser engolida por esse mar que afinal era eu, de encontro à leve inconsciência e apatia...
    Descanso neste farol - naveguei sem rumo, demasiado tempo nesse mar. A luz mostrou-me a tela, mostrou-me de que eram feitas inusitadas águas. Mas choro... Choro pois não me lembro de ter conhecido outro lugar, é como se tivesse nascido ali, náufraga de um desastre sem nome ou causa, que me destinou a navegar para sempre, perdida e cansada, à procura de tudo e de nada. Em que terra, em que ilha, acontece e está a Vida...? Nas profundezas do meu ser, navega uma resposta e pergunto-me se do céu, o meu farol será estrela.

MF

3 comentários:

  1. Um texto profundo que merece uma reflexão profunda (a fazer por mim brevemente); palavras que, por cerrto, são também espelho da escritora. Parabéns.

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    1. Muito obrigada pelo tempo que dispensou para ler o meu texto.
      Estas palavras, são sem dúvida, "espelho da escritora".
      Fico feliz que tenha gostado, boas leituras :)

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