domingo, 11 de maio de 2014

Ser completo


  Se há algo que me consome por dentro é a consciência das minhas próprias limitações, da aparente impossibilidade de consumar todo o meu potencial. Dentro de mim sei, sinto, vejo futuros, vejo outros "eus" tão mais majestosos que eu. É como se eu fosse uma semente cheia de promessas que não encontra solo onde se deitar ou um interregno, abismo entre o tudo e o nada. Nesse meio vago consigo discernir pedaços de sonhos, mas não há apogeu, não me vejo alta em nada, por mais que tente sou cansada, sou inconstante, sou movimento impaciente. Gasto as horas perscrutando os desertos em mim, sinto o tempo lento, ou não o sinto de todo,  sinto-o a fugir inexoravelmente de mim, a escapar-se de mim. Tempo... Fica, pára, deixa-me ser. Mais um minuto, a vida pede -me de volta, mas quero ficar aqui, mais tempo, a escrever, a arrancar palavras, a tentar encontrar as frases perfeitas que arrebatem a minha alma, que me contem o que ela esconde nos seus recônditos  ,  até sentir esse impetuoso e fulgurante frémito raro, que nos sacode aquando uma iluminação de espírito, uma súbita compreensão. Mas de quê? É tarde, sinto o tempo, o cansaço nas pálpebras, mas é nestas horas que encontro maior inspiração. Quero expressar-me de forma perfeita para mim e  queima-me não o conseguir, queima-me não ser genial em algo concreto, em algo definido por mim. Sou impaciente, sou derrotada pelo meu cansaço ou pela pressa de ver mais, conhecer mais, e assim, mais uma vez, ficar a meio de algo na minha sede de ser completa. 
  Enclausurada em mim, vagueio, divago. Quem me prende? Só eu. Quero tudo ao mesmo tempo, num só instante, quero ser tudo, sendo limitada pelo tempo, que não espera por mim, pela rotina que tenho de viver. Quero dedicar-me, num estoicismo irreprimível , à música ou à escrita, na esperança de encontrar o meu troféu: um orgulho interno maior que me faça esquecer todas as desditas, algo para me sentir grande. Mas adivinho o previsível: a queda, após a chegada a qualquer cume. Pois , estando lá, já lá cheguei, sorvo os breves momentos de plenitude sozinha. Consegui algo, consegui ser alta em alguma coisa. Mas continuo viva, tenho de inventar algo para alcançar, para me obrigar a correr. Nunca estaremos completos, e talvez essa seja a nossa maior desgraça e a nossa maior virtude. 

MF

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