terça-feira, 10 de junho de 2014

Memento Mori

  

   Estou morta - em algum lugar mais alto e sereno, num posto sem tempo onde perscruto cada possibilidade de vida minha. É um mar emaranhado de imagens e histórias, nesse labirinto consigo distinguir a minha vida principal, a vida que foi realmente vivida por mim. Essa vida é colorida, maioritariamente por tons de cinza, com intervalos raros de pura explosão sensorial, arco-íris garridos que se perdem em vales obscuros mais vastos, até voltarem a aparecer, timidamente , lá ao longe, não sei porque Sol ou porque chuva suave. 
   Talvez, e só talvez, eu pudesse ter feito com que os arco-íris não fossem efémeros, para viver sob os seus tons alegres e majestosos mais tempo e, assim, o meu coração influir-se-ia de vida. Mas a existência é feita de altos e baixos, e a minha arte, dessa trágica sina provém -  faço da dor um poema, da felicidade um poema ainda maior, uma ode à vida na sua totalidade. Aqui, sozinha no meu posto, incorpórea, tenho todo o universo à minha frente e sou assaltada por vislumbres fulgurantes de mim - Fui personagem de uma estranha peça, num estranho tempo, num estranho mas belo lugar. A linha entre o sonho e a realidade torna-se cada vez mais ténue. Realidade? Tudo se afigura a um insidioso sonho acordado. Quem me diz a mim o que foi real, se fui um ser frágil governado por forças maiores que eu, comandado por impulsos inconscientes, a tentar alcançar conceitos imateriais como o Amor ou a felicidade? Estou entorpecida, divagando. A minha vida transfigura-se numa singela metáfora - um rio ramifica-se em mil e um canais, uns maiores, outros mais estreitos, uns que levam a paraísos costeiros, outros que levam a desertos estéreis. De cima, consegui adivinhar todos os futuros... Esse rio prometia tanto, mas deixei-me levar por ele, inerte, até ao mar plácido do fim do mundo. Não lutei, tive medo do destino de cada canal, não consegui decidir-me por qual optar. Deixei o rio passar por mim. Quero acordar, quero voltar. Descer. Quero ir, com a sabedoria divina de quem viu todas as possibilidades infinitas, nadar contra as correntes, armar-me de força, vencer o cansaço. Ser plena, chegar a destinos onde mil arco íris pintam o céu. Mas cheguei ao mar plácido, ao mar sem tempo. É tarde agora. Flutuo na imensidão grandiosa deste espaço sideral, deste mar. Sonho para sempre, tudo o que podia ter sido...

MF

Sem comentários:

Enviar um comentário

  [Serás humano até ao fim] caminhas tocando as paredes numa divisão obscura os caminhos múltiplos, as escolhas pressionadas por um tempo de...