domingo, 8 de junho de 2014

Medo de Ser



   Ouço o som da chuva na janela, acordo com a mente meio vazia, é como se tivesse nascido de novo. Sou preenchida por um vago torpor, levanto-me e vou à rua. Não há sinal de vida, é como se o mundo se tivesse dissipado nessa noite, por alguma estranha tragédia sem caos, sem desmoronamento de edifícios, sem o solo aberto numa enorme fenda negra que tudo engoliu. Sinto um grande embate súbito no coração - Solidão. No entanto apercebo-me de que esta é a mesma, sozinha num mundo sem vida ou num mundo cheio de rostos, por mais curioso que seja este fenómeno. Não procuro por ninguém, dentro de mim sei que tudo desapareceu, como se estivesse dentro de um sonho semi lúcido em que sei exatamente o que as personagens irão dizer, em que os sentidos estão mais aguçados e possuo uma acuidade e conhecimentos futuros paradoxais. Caminho pela rua, no meu pijama velho, caminho procurando algo que não sei. Não há absolutamente nada, além do som dos meus passos sob as poças cinzentas de chuva. Até que me vejo ao longe. Sim, vejo-me, e ela não me vê. Tento acenar, grito, corro para ela, mas ela não me vê. Choro. Agora só me queria ter a mim, nesta solidão que preenche o mundo. Nada disto pode ser real, no entanto sei que o é. Como posso eu, ali ao longe, fingir que não me vejo, como posso eu separar-me de mim, dissociar a minha alma do meu corpo e vaguear sem rumo por ruas desertas, sem tempo ou vida? Talvez, se eu me visse, se o meu eu ao longe viesse ter comigo, a rua se enchesse, de novo de vida...  Caso contrário, inventaríamos rostos, personagens, cenário vivo para a nossa existência, ou ficaríamos para sempre a tentar encontrar a resposta para toda aquela desolação. Mas eu fujo de mim, mesmo numa rua sem mais nenhuma alma viva. 
   Parei, já cansada de correr atrás de mim, fui vencida pela maior das frustrações. Talvez haja um vidro invisível entre mim e eu, e é por isso que seria inevitável, que numa qualquer manhã, o meu mundo desaparece-se por instantes num cenário onírico, só para me dar a melhor oportunidade de eu me encontrar. E encontrei-me - A fugir de mim, com medo de me ver e ser, plenamente...

MF

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