sexta-feira, 1 de agosto de 2014

A felicidade pura



  Pergunto-me: o que acontecerá quando encontramos um momento de pura felicidade? Posteriormente, talvez o mundo perca um pouco da cor que lhe dávamos. Passaremos a vida sem vida, recordando e restaurando esse momento e tentando repetir as mesmas sensações. Seremos uma espécie de eremitas da alma que se passeiam por instinto, cumprindo tacitamente rituais básicos de sobrevivência, alimentando-se verdadeiramente de farrapos de imagens e sentimentos sem nome, traídos pelos seus olhos baços que revelam estar perdidos muito além do presente. Pois agora, a vida parece longa de mais.

  Caímos em numerosas quedas na tentativa de escalar uma felicidade utópica. Desfazemo-nos em mil pedaços, restauramo-nos debilmente só para voltarmos a cair mais sólidos, com a constatação de que não conseguimos mais sentir o mesmo que um dia sentimos. 

  Estamos quebrados. Vimos o céu e agora a terra parece sórdida, pesadamente instável e fria. Deslumbrámo-nos com banquetes de deuses e agora toda a comida sabe mal. Ouvimos a mais bela sinfonia e agora todas as melodias nos parecem grotescas. Inebriámo-nos num aroma transcendente e agora este ar parece insuficiente e asfixiante. Extasiamo-nos fisicamente como que tocados pelo mais suave dos veludos e agora tudo nos parece tão áspero e rude. 

  O mundo é o mesmo mas algo morreu em nós porque sentimos algo que arrebatou tão fortemente os nossos sentidos e alma que estes ficaram viciados e exigentes. Não queríamos sair dos paraísos na berma da vida. Não queríamos voltar cá, descer de um local mais alto, pois a nossa alma ficou tão cheia. Aqui é o local onde ela se esvazia, como um mar tirano que nos rouba tesouros costeiros, nas suas marés...


"You stretched for the stars
and you know how it feels
To reach too high
too far
Too soon
you saw the whole of the moon!"



MF

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