domingo, 28 de setembro de 2014

  

[carta a um misantropo]
r.

As estrelas luziam fracas quando nascemos
e juntos remámos, rumo à misantropia...

 Por vezes penso que somos um erro, esta nossa soturnidade, este nosso pessimismo. Mas talvez estejamos no caminho da iluminação, no entanto esse caminho está cheio de farpas, faz nascer fel nas nossas entranhas. Analiso o mundo, não o vejo. Penso o amor, não o sinto. 
    Ainda bem que eu nasci, para te apoiar, para te ouvir. Temos medo, mas temo-nos um ao outro e então o medo fica mais fraco. Não sabemos para onde queremos ir; o nada antes de nós seria plácido, o nada à nossa frente é ainda mais vago e tem todo o peso do tempo, toda a pressão de um primeiro ato. Quero ter mil tentativas, ou não ter nenhuma. Quero o tudo ou o nada. O meio termo é um aquém que me esmaga, a incompletude de todos os esforços. 
   Somos velhos, nascemos velhos, talvez. O cinismo tomou conta de nós e é visível no teu olhar de desprezo perante o mundo, perante aqueles que existem alegres em rotinas estupidificantes e visível no meu olhar apático que se sente estrangeiro exilado - " não estou cá". Queríamos ser ignorantes e felizes. Queríamos não saber tanto, não sentir tanto a ponto de só sentir insensibilidade.
   Meu irmão. Corre em nós o mesmo sangue, as mesmas dores, os mesmos pensamentos... mas não quebres a cada dia, não espalhes esses tormentos aos sete ventos mas também não os deixes apodrecer em ti. Já tive a vida dentro de mim, confia em mim -

Amor.

    Não importa que seja ilusão, ( como tu sempre dizes) não importa que não seja uma força transcendente legada do universo que flutua no ar entre dois olhares, que se materializa na explosão de um beijo e nos faz inteiros. Um beijo já não é o toque de dois lábios, e um olhar já não é um olhar. Não me importa a metafísica, não me importa a química, só importa o que sentimos. Abre essa alma e deixa-te sentir. Sente o mais que puderes, não deixes esse coração endurecer, porque aí sofrerás ainda mais, sofrerás sem sofrer, o sofrimento de não sentir e continuares a existir neste mundo. Somos humanos, e não valemos mais que uma flor que ilumina o mundo com a sua beleza, mas não chores, não chores porque tudo é tudo. Dentro de mim sei que estamos todos unidos e então não existe verdadeira solidão, só aquela que alimentas na aberração da misantropia, o estado em que finges estar isolado de todos por a tua mente ser diferente.
   Somos jovens demais para sermos amargos, mas digo-te: a vida desvendar-se-á para nós um dia, inaugurará a juventude em nós.

Ainda bem que eu nasci, para te apoiar, para te ouvir.

MF

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Só agora é que vi o teu comentário, muito obrigada Diogo! E continua a escrever porque és um talento :)

      Eliminar

  [Serás humano até ao fim] caminhas tocando as paredes numa divisão obscura os caminhos múltiplos, as escolhas pressionadas por um tempo de...