7 de Outubro de 2014 - rascunho
Olho-os a todos - com a indiferença daqueles espíritos cansados a quem lhes foi roubado o sol, amargos e velhos demais para os corpos que ocupam, misturada com a curiosidade dos poetas e das crianças. Inalo o ar mais pesado que o meu coração. Hoje sou cinzenta, como este dia poeirento e sempre igual a outros mil, na cidade. Escrevo devaneios quotidianos, pensamentos que se me perpassam por segundos mas impressionam o núcleo vago do meu ser, talvez para sempre. Os transeuntes percorrem as ruas, também eles têm vidas, também eles têm sonhos e dores e corações. Invejo a leveza com que andam, ainda que esta possa ser fingida. Invejo-os porque hoje nem eu consigo fingir - eu sempre tão calma, eu sempre tão forte, sou, afinal , tempestades, sou, afinal, fraca.
Entro no autocarro. Adivinho mais uma curta longa viajem. Os enjoos são recorrentes; chegarei a casa com o corpo cansado, mas não mais cansado que a minha mente que corre mil quilómetros em órbita de si mesma, sem nunca encontrar um caminho claro que acalente o coração. Mais veloz que a paisagem que corre nublada, qual quadro impressionista, choca contra si mesma e as têmporas queimam. Ficção de vontades e medos e ideias.
Saio do autocarro. O motorista retira o seu telemóvel e consigo ver o seu fundo - a foto de um bebé. É pai,.. Dizem que os filhos dão mais sentido à nossa vida. Mas que sentido na terra sem sentido ? ( pelo menos hoje não acho sentido) ; na terra da razão férrea, da ciência régia, das causas e dos efeitos, dos destinos cegos... Andamos todos às voltas com a morte a tomar terreno a cada segundo, a imolar dias presentes com fé ingénua em futuros refulgentes. "Amanhã será melhor".
MF
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