quinta-feira, 27 de novembro de 2014




19-11-2014
[rascunho II, madrugada]

está algo dentro de mim que não se parece com um coração e que ocupa o lugar deste. dor sólida condensada,  peso , carga nefanda que gangrena e envelhece a alma. dor que transcende a dimensão física e se expande até à garganta. como se não bastasse, faz o mais tenebroso - retém as lágrimas que purificam o corpo. não consigo chorar e um ser humano precisa tanto de chorar. é a necessidade máxima dos sensíveis. preferia chorar a escrever. a necessidade mais nobre e tão mais fora de alcance neste momento.

maldição.
os olhos pesam os oceanos mas nada transbordam. barragens que seguram um imenso cataclismo humano de origem indefinida e que se engrandece na ausência de pulsações sanguíneas mais estrondosas e brutais.
estou desacelerada e insensível mas sinto o tempo envelhecer cada linha do meu corpo. não me posso mover, não me posso viver. Impotente. impotente como... ah não vou escrever poesia! impotente como só eu posso estar sem um coração funcional!
estou na vida, (se tiverem razão, só estamos cá uma vez) e eu sem nada dela poder colher, sem nada poder sentir. é essa a dor, é essa a dor. dor mais que física, dor mais que dor. um dia invento uma palavra. dor que atinge o cerne de mim. já não me sinto humana. sombra humana. já não me sinto de todo. nada além da carga. sinto a carga com a razão, sofro a carga com a razão. mísera mas acutilante substituta dos sentidos embotados e latentes.
é tão triste ser humana sem poder ser humana.
estou doente. sou doente. quem me fez assim? tão fria e tão frágil. queria tanto ser quem fui. contava-se que o amor era infinito. mas eu sou finita, sou limitada.

Esvaziei-me. Esgotei-me. Senti demais. Amei demais.

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