sábado, 30 de maio de 2015

Overdose de Beleza



28 de Maio de 2015

  Florescemos. Ressuscitámos de cinzas quase desvanecidas. Vivemos. Finalmente pegámos fogo, bom fogo que nos alimenta e se expande descongelando as réstias de carne adormecida. Mas isto consome, a distância semeia sede e fome de ti. Os dias são lentos e percorro a tua memória obsessivamente com medo da dissolução dos seus contornos, de cada segundo ao teu lado, de cada toque e cada corredor de olhares. Talvez não consiga abarcar tudo isto, segurar todo este céu dentro de mim. Excedes-me e tenho medo de querer tanto tocar-te sabendo que a tua ausência queimará ainda mais. Isto consome mas agora sinto. E sentir é tudo. Sentir enleva e dói, mas o enlevo faz-nos agradecer estar aqui. Agora sinto: mais profundamente a vida em mim e mais acutilantes as horas sem ti somado ao medo de te instalares demasiado no meu sangue e um dia já não esperares por mim, assombrando-me as noites e desgastando-me as mãos que escreverão sempre para fantasmas na esperança de lhes chegar e destes se fazerem humanos de novo, amando-me de novo, esperando-me como espero. É nobre e trágico ser poeta e sentir demasiado. Amar-te dói,
Amar-te dói mas desenha-me no rosto sorrisos espontâneos.


  Estás longe e num dia tudo acontece: Num dia renascem mortos e num dia morrem recém-nascidos. É uma bela história - Numa pequena cidade, dois desconhecidos apaixonaram-se. Podemos viver e morrer no espaço de um dia. Deste-me vida e hoje tenho medo de morrer...morrer em ti, morrer num dia em que a minha memória te seja fria e arrumada para um recanto de coisas raras e, com sorte, descansada num altar de coisas intocáveis porque ambos sabemos: tudo é perecível, mesmo histórias belas. Só cá dentro tudo permanece magno, embebido em poesias maiores que a vida, texturas intransmissíveis, difusas mas que segredam sentidos e revestem de juventude o coração. Só cá dentro permanecemos anjos e nunca envelhecemos. Só cá dentro não degeneramos… as palavras permanecem sagradas e os nossos risos ainda fazem dançar o ar.
  Compreendo-te se tiveres medo deste amor - É uma bela história, bela demais para mexer; Ficaríamos assim, imutáveis, numa pequena cidade…

Al berto escreveu:
“quero morrer
com uma overdose de beleza”

  Apenas a beleza podia ressuscitar um peso morto. Apenas a beleza é digna de ser o berço da tua morte (é justo). Por isso peço-te - Esvazia-me de novo da minha razão. Faz-me de novo esquecer o tempo e levitar num quarto. Porque um amanhã morremos e quero no passado cósmico uma eternidade a dois, prolongar-nos através do tempo, gravar-nos além do nosso tempo, nós mortais sentindo-se deuses, nós que nos incendiámos um ao outro e enviámos uma mensagem a um deus: 
 - ainda podemos ser vivos após tantas mortes… 
 - somos carne mas transcendemos sem medida que nos meça… 
 - estivemos aqui e foi tão bom…

Ecoa em mim - “overdose de beleza …” ; 
Por favor: Sê a minha morte (só não me deixes morrer em ti).



MF






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