sábado, 13 de junho de 2015

A dor da leveza






II

As alturas geram uma leveza quase profana 
- a fusão cósmica esvaziou todo o ser, e este parou no céu
havia apenas nuvens, e só se sentia na carne o beijo do ar 
quando lá em baixo acontecia o mundo 
e corpos se quebravam e regeneravam para quebrarem de novo
(corpos de seres ainda jovens na ciência desconhecida de viver)
e o anjo, quase desligado de todas as lembranças humanas, acordou
do seu sono divino - germinou a saudade de sentir;
nos seus dias humanos o seu coração recebia guerras e paraísos
e isso era-lhe insustentável; não nos chega um corpo para tanto sentir
mas avistou um mortal distinto de outros mortais
belo, mas atolado nos escombros que nutria à sua volta
quis tocar-lhe o rosto e ver de mais perto os seus olhos
e quem sabe extrair deles a escuridão -

" - Por ti cortarei as asas, por ti  - chorou o anjo
o céu pode ser um lugar solitário, 
deixa-me despir-me e ser humana outra vez
frágil e pesada como tu, 
deixa-me ver-te dormir,
deixa-me salvar-te ou morrer contigo
conheci os dois mundos e prefiro não ter asas
e sentir mais que o ar, sentir
o teu corpo sobre o meu, os teus lábios nos meus,
Amor é o nome da mais alta esfera humana,
compete com o despontar breve e eterno das galáxias,
prefiro estar à mesma altura do solo que tu,
e fazermos pouco dos deuses que adormeceram para sempre
nos seus postos imperturbáveis das Alturas;
quero-nos acordados.
dois mortais abraçados, talvez aí o entendimento
não me importa que me nasça o medo de morrer
estou contigo numa terra trajada de estrelas,
há dor, sim, aos calcanhares do desejo,
mas arrebatou-se-me o peito e nunca mais quero
a distância inumana que me esfriava as veias, lá em cima
onde era leve mas chorava os dias em que fui humana
onde era leve, insidiosa leveza oriunda de nada sentir,
deixa-me sofrer contigo e convencer-me que existo
deixa-me amar contigo e ter medo de morrer;
amar fez-me descer, do seguro lugar onde pensei poder
avistar sem dor a ascensão da grande Maré..."


MF

to pb





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