terça-feira, 2 de junho de 2015

Vamos ser pássaros




2 de Junho de 2015

   Não há razão para ter medo. Há todo este Todo que nos abarca. As árvores tremem fustigadas pelo vento, o mar expande-se e revolve as areias do seu fundo, o céu pinta-se todos os dias de forma diferente e beija-me o olhar. E os teus olhos... A memória dos teus olhos ainda me cala. São dois portais que me sugam e atravesso-te sem te ver a alma. Mas pressinto as camadas externas que ocultam a sombra tua. Poderia delinear um plano de investida aos confins de ti, poderia beijar-te a partir de dentro. Segurar a tua fronte, a partir de dentro. Abraçar-te até não sentires mais medo, lavar-te o medo que te desenha lágrimas e só deixar o medo de me perderes. Porque esse medo mantém-nos vivos, um pelo outro. Dança no limiar do teu próprio abismo, dança, até que o abismo colapse sob a vibração leve dos teus pés que se movem ao ritmo de uma canção que acabaste de inventar. Somos tão grandes quando dançamos. Somos tão grandes quando nos libertamos do chão titânico, do chumbo emaranhado aos nossos pés num qualquer dia insidioso da nossa infância. Foram âncoras que a razão forjou para nos impedir de voar. Mas porque não podemos voar, diz-me. Porque não podemos largar os pesos que achamos intrínsecos à nossa natureza? Nós cantamos, sabes, somos humanos e imitámos os pássaros antes de falármos. Depois, inventaram-se as palavras, não sei bem porquê, já que as melodias falam mundos em ondas que se encaixam no mais torcido e vago desespero inominável. Vamos imitar outra vez os pássaros. Vamos fazer dos nossos braços asas e esvaziar dos nossos ossos memórias e fazê-los ocos para sermos leves. Olha-me de novo nos olhos. Permite-me desbravar os caminhos que me ocultas. Desta vez não desviarei o olhar. Verdes estepes que choraram tanto. Verdes estepes que amaram tanto. Vamos ser pássaros, vamos ser. Dança que eu danço contigo, da próxima vez que me apetecer chorar...porque é assim que poderíamos acordar um deus...


MF

to pb

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