sexta-feira, 3 de julho de 2015

Zenith



02.07.2015


sofro tudo o que queria beijar de novo e está longe
hoje apetece-me chorar
sinto-me anjo ao piano, quando pressinto as melodias
que querem ser vida e as notas me tocam, a mim,
guiando os meus dedos, enquanto penso a morte
e porque raio me imagino a morrer, eu, ainda jovem
e renego todo o amor dizendo-o afinal sujo e passageiro
para todos menos para mim, que amo todos os que já amei
mas tiro a venda de poesia dos meus olhos e não há poesia
e o amor acontece e morre num só dia


  Amor que tanto exalto, tem de ser um assunto secundário porque é, simultaneamente, assunto do espírito e do corpo e as vontades deste último gritam um pouco mais alto, perturbando o espírito que descansa numa esfera mais elevada e que devia ser imperturbável às fraquezas do instinto. Sempre tive saudades, saudade imaginada em extensão, das coisas que nunca senti. É uma saudade atroz, mas a saudade das coisas conhecidas e ausentes é igualmente acutilante, e o seu saciar mais premente porque está ligado ao mundo humano experienciado e à memória gravada nas linhas do corpo, nos lábios, nas mãos, no pescoço frio, que vejo ao espelho todos os dias.
  Mas amor é animal, só cá dentro espiritual. Só a alma é assunto primordial porque a vida é a sua viajem - Quero criar, expor a alma embalada numa sinfonia ou escrever os ecos dela. E pergunto-me se esta ânsia é resquício imanente de uma divindade no sangue - fomos separados de um deus e queremos igualá-lo nesta carne que decai sem esperança, revolvida nas agruras e espezinhada pelo mesmo tempo que tenta transcender ao criar algo belo que se ergue no ar e nos catapulta para o espaço, num túnel mais que supersónico, um vórtice de luz azulada percorrido pela sinfonia que nos enlevou e que nasceu na Terra. Olhos fechados, olhos fechados, e a viajem, doce viajem, estamos aqui e lá sem sentir o corpo e a viajar, os nossos espíritos, a quebrar todas as barreiras materiais. Não há razão. Ou medo. Ou morte. Mas regressamos, no fim da sinfonia, no fim do poema, maldizendo a fugacidade da eternidade que preconiza, sentencia a sua eterna busca porque nascemos com espaços vazios e saudades sem nome. Somos nós de novo, somos mortais de novo. E há razão. E medo.  E morte. E os pensamentos ocupam-nos de novo, numa vertigem de apneia, compressão súbita ao peso dos nossos corpos e ao peso dos nossos passados e da nossa insidiosa sina de nada sabermos - Somos a desesperada ignorância de crianças lançadas num lugar hostil e belo ao mesmo tempo. 


MF


Catacombe - Quidam
https://www.youtube.com/watch?v=L429pTQjMpM

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