sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Aos anjos ainda anjos



Der Himmel über Berlin

*


Perdeu as metafóricas asas, 
assumiu um peso, 
corpo receptor de facas, sóis, noites, beijos, chagas, 
e na pele destinada à decadência gravou o porquê de ser humano. 

Recebeu o medo e o céu e tropeçou entre os dois, porque o céu estava depois do medo e o medo logo a seguir ao céu. A finitude teceu essa maldição - tudo se transmuta, nada permanece, apenas o esboço das imagens paradas, quando parámos o espírito e lhe dissemos - "olha, estás feliz aqui e agora." Quase perdeu a coragem de ser humano, porque na sua imperfeição possui a ganância de tudo reter nas suas pequenas, ridículas mãos. Por isso talvez sinta que pode partir de novo e assumir a existência sem peso e por isso sem sentidos físicos que moldem todos os sentidos numa amálgama sensorial exponenciada pela memória nostálgica que chora como se cantasse e canta como se chorasse, cada hino por tudo o que foi. 

Eventualmente achou nos versos a sua salvação mas de novo encontrou a metáfora do medo e do céu - estão no caminho um do outro; esses versos reproduzem imagens que despoletam o ciclo nostálgico e as páginas são o espaço viciado onde se imagina o amante, o céu a dois e a morte depois.

Porque somos carne e estamos limitados pelo tempo e pelo espaço, há sedes a cada palpitação de tédio e o sentir vira-se contra nós, na sua pressa de ser sem poder Ser por inteiro, várias existências e uma só, ter por inteiro, tudo e nada, ser sem poder autenticamente Ser, pela gravidade natural e inventada. Dói ser senciente e sentir os sentidos a gritar por alturas tão difíceis ao corpo de escalar, a um corpo que adicionalmente tece correntes para os seus próprios pés com medo do medo posterior ao céu, o fardo nostálgico da Beleza. Segurar o ouro nas mãos por meros instantes, e vê-lo cair porque nunca foi intrinsecamente nosso, apenas do Tempo. São alturas diferentes daquelas onde pairam os anjos invejando vagamente os mortais, são alturas aqui na terra, o galvanizar de cada fibra, célula, humanas. Alturas aqui na terra mas ainda assim fora de alcance ( tantas vezes). Só pode imaginá-las e o mesmo enfastiamento da imaginação que fez o anjo descer para esta terra é o mesmo que faz o humano que agora é, querer não ter peso porque esse peso dói quando não pode ser sentido a esvaziar-se em cada encontro com o Sol.
´

Está preso agora, pela gravidade natural e inventada, pesado e com um coração que tacteia até os vazios e se afunda neles implorando asas sem ganância e imperturbáveis. Não há nenhuma outra dimensão consciente à qual descer.
Aqui é onde se sente e é deslumbrante e aterrador sentir.


MF



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