[ESCRITA semi-AUTOMÁTICA]
16 de Dezembro
O humano persegue-me, para o bem e para o mal. Pergunto-me se somos
nós - que escolhemos voltar. O humano
persegue-me, por isso quis voltar? (ainda que doa) A implosão, sempre para
dentro, querendo ver para fora, beijar o ar de fora mesmo que doesse esse embate
material contra outras carnes animadas de vida. Se escolhi voltar, porque
voltei? (estou cá) Talvez isto seja o sinal de que eu deva estar cá, ou então é apenas uma filosofia, um
malabarismo arquitectónico do pensamento para me segurar aqui e a uma espécie
de potencial - Um palco onde sou luz
e graça, onde meu corpo finalmente é o mesmo que a minha alma quando esta
ascender ao plano dos cais limpos e leves onde não transparece já mácula nem
necessidade de expressão, porque a expressão é o meu próprio corpo que é, é os movimentos da alma, material volátil
quase não aqui, mas tanto aqui, marcando a sua posição firme com
os cânticos emergentes de cada célula minha e a ampliação desse sem nome sinal divino
na periferia, a quem quer que por mim passasse e me respirasse. Sim, quero o
corpo liberto, quero os véus acesos e as cortinas despidas, as cidades corridas
em toda a extensão do seu dia e da sua noite. Quero ser viva, num hotel, num
palco, numa estrada, na solidão, na dor, no amor e na morte, ouvir as estrelas
e a voz da terra troar, ouvir os milhões de anos vivos num passado para-dimensional,
saber e não doer não poder escrever,
porque flutuando nesse transe aquoso de quem viu Deus e ficou vivo.
*
Eu acho que (já) morri. Eu acho que todos nós (já) morremos e nos une aquilo pelo
qual escolhemos voltar. Ainda que tivéssemos o fardo do tempo a corroer os
nossos corpos fracos que não podiam nunca traduzir a galáxia magna que o
anima. (Mundo estranho este)...Tudo é tão pouco às vezes. Tudo é tão alto às vezes, e vasto, e leve, e puro, e
potente, e excedente, e o meu coração vai explodir, vai explodir e dizer, tão belo! Vai cair e levantar o céu de
novo para que não pense a morte como estrada nem círculo insano sem medida do
medo, não vai ter medo de escrever a inconsciência, não vai ter medo de encontrar o divino em si, que lhe
foge ante a razão, não vai ter medo de provar essa espécie de licor amargo de
que há outra coisa que convive no mesmo corpo que ele, que escreve neste
momento e lhe rouba o lúcido protagonismo e o deixa num limbo entre a loucura
e o divino. Escreve o que sentes coração, não tenhas medo, imita o teu irmão e
escreve sem pensares, há um mundo atrás do pensamento, lá dentro a linguagem é
outra e talvez sintas o mistério claro atrás das vírgulas e dos impérios sem
consciente sentido onde falas contigo e estás sem ti para te encontrares unido
numa espécie de pedaço puro de alados sentidos, onde a terra é leve, onde o
caminho é silêncio e a promessa clara.
Estás liberto, soubeste o mundo e esqueceste, só para puderes voltar a
descobri-lo de novo.
*
Quer-se a terra, as raízes
quentes englobadas por humanas mãos em oração, em pertença à terra. Ele disse:
que era tão maior correr sem escudos e queimar, e ser trespassado por ramos e
continuar a correr sem tropeçar no seu próprio sangue, um humano nu, vejam como
ele corre, o universo chove um som, o humano sua e corre cada vez mais
rápido (continua a correr para sempre) e sorri - a respiração sôfrega nunca esteve ,nunca foi, afinal, tão
viva. A sua mente está leve, não lhe pesa o ego, as cargas metafóricas do ego,
e das coisas que se fazem maiores, se tornam monstros como que a disfarçar por
oposto excesso, a sua vacuidade essencial, a sua frivolidade que impregna todos
os teatros do mundo, os de palco e o dos dias - são as perdições no outro, pelo
outro, é o desejo- poço, o amor decomposto ao seu irrisório placebo de caricata
forma e nefasto conteúdo. “Eles pensam que precisam de corpos para amar”- ri-se
o Universo…
*
Quero limpar a faca no
silêncio e beijar a terra que me engole, que contém toda a morte e toda a
promessa de vida, quero cantar o tempo e a luta do céu contra a terra e mostrar
que tudo é o mesmo, viver
esse tudo é o mesmo, e não sair daqui
tão cedo, não sair daqui em vida. Mas
as vezes dói. Dói não ser os lustrosos poemas que eu tinha de ser porque ouvi o estremecer da terra
minha, das sementes hesitantes a chorarem pelo sol e pelo beijo da chuva que
afastava do meu terreno.
Fugia para desertos de sóis velhos, avermelhadas esferas quase no penhasco do segundo da sua própria extinção. E ficava então no escuro, lenta mas areias frias sem noção de tempo ou dias por abraçar.
MF
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