domingo, 18 de setembro de 2016




(Auto-carta)


menina, não vás mais cedo para casa
vê a noite cair sobre a cidade

menina, não te deixes ir para esse lugar
demasiado interno
que esta paisagem precisa de ti
não tem som, cheiro, forma
fora de ti

só é assim, agora como está,
céu onde se verteram cores
(qual quadro de um deus, assim tão belo)
assim tão belo somente de teu mira-sente-douro

menina, abre teus olhos
para tudo isto e para aquilo que ainda não vês
porque distante, porque ainda na espera do seu ante-ser

menina, não chores, tu bem sabes como
cada peso no coração
é um poema para toda a juventude

menina, se eu fosse tu dizia-te:
 para rires tanto que ficarás bem em cada fotografia
para veres a noite cair sobre várias cidades,
e acordares com as manhãs no teu sangue
acordares viva, estremecendo ante o dia
que na sua simplicidade te enaltece porque afinal
precisa de ti

mas só precisa de ti viva, só assim rejubila
porque é viva que dentro fazes a paisagem
que emudeceria a própria morte
e semearia um paraíso na memória de um homem que nasceu cego.


menina, ergue teu corpo, teu sangue tem pressa de ser sangue
é hora
é hora de acordares do teu torpor
levantares-te com esse choro no peito
essa compressão de todo o passado e idade que te mente:
"- O cansaço no corpo. Não posso voltar a sentir ! "

Que cada peso seja um testemunho da humanidade que partilhas
e uma canção, um poema, mas que finde para ti onde para outro começa
e é eco, comunhão
que te esmagues, expurgues, vomites, quebres,em cada verso
mas esvazia-te,
para poderes receber nele a paz

consumaste tua missão sensível
porque ontem foste viva para ser marcada
mas hoje não podes ser uma repetição
hoje é a tela, espaço para o novo
que escreverá milhões de versos amanhã.

todas as chagas sanam.
- dizem todos os humanos que te trouxeram até aqui.


MF








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