domingo, 2 de outubro de 2016



2.10.2016

 memorando 07:00 - 07:21

qual é o problema?

com a carne
gostaria que não nos tornássemos menos puros,
pela carne
só quis tocar,
(toda a gente que amo e amei)
com a carne
porque é o mais real que conheço
e o que mais pede depois do olhar;
de carne desde que nasci
de carne até morrer
mas falaram-nos
de um certo pecado de ser carne
pecado de tocar 
pecado em todo o lado, 
(posso ao menos respirar? 
ou já pequei com a minha expiração?
porque o ar bateu na carne 
e é um pecado ser de carne e simplesmente querer tocar)
se eu pudesse dizer...
(acho que me interrompi do sono para o poder dizer)
- só é pecado querer ser mais que carne
e não tocar
nem dizer tudo isto que digo e direi
qual é o problema da carne? 
quem disse, ditou, pela primeira vez, a culpa de ser carne?
(e de amar com a carne)


não somos só filhos de nós, imatérias viventes por debaixo do sangue e da pele
somos filhos do sonho e da matéria
e das circunstâncias puras e sinceras,
da carne
circunscritas sem tempo e culpas,
da carne
na pureza de nós só há olvido
de tudo o que nos disseram sobre o baixo da carne
afinal, é o único modo de nos tocármos
e os limites são reflexo
da intensidade da vida acesa em nós
por outra alma
às vezes a serenidade feliz permite um abraço 
(ainda fora do pecado)
mas baniram-se as mãos e os lábios
(porque nos fragmentaram o corpo em zonas de pecado
quando na alma não houve nunca
pecado?)
e nos divido de novo
quando não há uma alma e um corpo
há isto de ser assim -
uma extensão que sonho infinita
que jaz contida
no que chamaram corpo
mas que voa
 e silenciaram-nos o voo no álibi da carne
não sabem eles que voamos? 
não sabem eles que voam? 
(ou nunca se deixaram voar?)

somos outra coisa 
todas as coisas até aqui conjurando-se para a visão e o sentir, 
a primeira inspiração consciente
e podíamos ser outra coisa talvez, à superfície
escolheram-nos a matéria e disseram-nos que éramos sujos
algum homem partido, decerto sozinho,
no mundo
sem o calor de outras mãos e 
somente com pressentimento sensacional de um beijo
e o que seria fundir-se e perder a noção
da sua mortalidade
fizemo-nos de carne talvez
porque o bater do coração através da pele é 
o som mas bonito que conheço
é um som,  é um som, que só pode ser ouvido em ti,
através da carne repercutivo e formado dentro vivo, 
som
nada existe se não te atravessar
é dentro de ti que há som e cheiro e sabor e tacto
(quem nos condenou a tamanho desumano medo de tocar?)
só dentro "é em nós que é tudo"
e se isso te parece triste pensa também
que só dentro de ti está o pecado
que imaginámos todos, num grande delírio colectivo
(a leveza de um mundo sem pensamento era insustentável?)
ou talvez a solidão de um corpo foi quem escreveu pecado,
 - uma palavra para condenar milhões.


MF


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