sábado, 4 de novembro de 2017



Do peso e da leveza.


Dizer-te que te amo mas me sinto - sozinha em espírito. E como é a carne, o réptil, em mim, que te ama, quando nos amamos nas noites. E uma fresta de sonho. De te colocar numa nova luz. De seres essa mesma luz atravessando aquilo que não nomeio mas podia ser uma doença. Ainda que esta se recolha para dar lugar ao riso próprio da minha idade ( às vezes, repentinamente, à visão da alegria alheia mais simples). Tremo com a sombra. Tremo com a beleza. Tremo de saber que tive anjos pedindo-me a mão. E eu fugi. A carne não é compatível com o espírito?
Amar a superfície é um compromisso constante com um desapego. Um divórcio com a vontade de profundeza e fusão. Aceitação das linhas paralelas que somos, afinal. Porque eu já me cruzei, eu já vi, já me viram, mas era uma dança sem fogo, uma dança feita de ar. A placidez de um mar aplacado, finalmente, e esgotado, sedento de ser tocado de outra forma mesmo que tivesse de abandonar essa dança de plumas.

Abandonei-me, acho. Para me ter no chão, para me sentir a carne, para me sentir no fogo. E amanhã abandono o fogo, disse, mas ainda não o abandonei. Digo, o animal é mais antigo que o espírito. O espírito acordou numa misteriosa e incógnita manhã. Com as lágrimas nos olhos. Oh, as lágrimas desfiguram o meu rosto? Ou dão-lhe vida? Dão-lhe alma. Mas a alma é tão pesada nestes dias. A alma é tão pesada neste mundo.
Solidão maior. Esta solidão depois da fusão dos corpos. Esta antevisão de futuro vazio. Esvaziei-me para não me doerem camadas profundas? Esqueci-me voluntariamente, conscientemente, mas a alma ainda grita no fundo de mim - contra os gestos e as palavras despidas de substância, despidas de visão e vontade de sanar qualquer coisa carente de infinito. Eu não sei, eu não sei. Mas sei deste entrave na garganta. Esta lassidão. E lá fora, eu chamei circ(o)lo. Talvez se eu fosse à cruz e descesse da cruz....tudo pareceria mais humano aos meus olhos? 

Agora ainda vejo - como tudo isto é nulo. Estes pensamentos, esta escrita, esta dor quase ridícula. Sou uma criança com vinte e um anos desgostada para sempre, como no dia em que lhe falaram de como o mundo girava indiferente sem nós, depois de nós. Inocente. Nada é para sempre. Só em ti a (ilusão ? de) permanência do teu maior sonho e amor.
E talvez eles tenham razão. Talvez o circo-lo pudesse ser o paraíso. Ou o paraíso mora dentro. E dissipando o excesso, os labirintos, os significados, as buscas, os sonho, a longa e antiga saudade, me deixasse mais leve. Fluiria como tudo o resto. Mais no meio de risos do que de lágrimas e contrapesos no coração. Até ao esquecimento inevitável. Que cobre tudo. O mais leve e o mais profundo, afinal. 




MF






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