quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Geração Netflix



A geração de seres cansados

Os corpos suados

Biscates e contratos a prazo

Netflix depois do trabalho

A vida rápida

Pequenos almoços apressados

Amantes desencontrados

Filhos adiados

(Ou no berço já deitados)

Sonhos debaixo do sapato

Cães em apartamentos

Escuros, bafientos e apertados

A prestação do carro

Seguro, inspecção

Selo, combustível

Imposto sobre a circulação

A prestação da casa

A renda, a luz, a água

O gás, internet e smartphone

As propinas

A creche dos pequenos

(Se os há)

E outros impostos inventados

A prestação dos corpos

Dia a dia

'Homo laborants'

A manutenção meramente fisiológica

Fast food e enlatados

O entretenimento fácil

'A Piada infinita'

'O Amor líquido'

O vago espinho metálico,

Neoplásico

A magia somente reencontrada

Naquele velho clássico

'Les 400 cent coups',

'Cinema paradiso',

(Rosas no cume do espírito)


Saltamos refeições

Abraços e beijos

Saltamos caminhadas

Não sabemos mais do ócio

Benevolente

Da clareza transparente

De quem olha à janela

Suspenso sobre o tempo

Como na primeira infância

O mundo sem filtros,

prazos, créditos e consumos

O mundo sem futuro

O mundo assim mesmo

Sem papéis nem secretárias

Sem formulários ou currículos

Sem precariedade ou classes

Sem senhas, filas,

Rituais e rotinas

Sem o tempo fracionado a conta gotas

Sem enxaquecas

Frustrações e taquicardias

Obesidade e anorexia

Mindfullness e academias

Nicotina e cafeína

Aromaterapias

Psicoterapias

Benuron, Xanax,

Diazepam e Escitalopram

Ali, Amazon, Berska ou Shein

(Somas antevistas)

Subterfúgios e panaceias

Do cortisol nas veias

Do excesso de ruído

Os trabalhos noturnos e por turnos

Sem reformas antecipadas

Apenas antecipadamente

Surdos, cegos e mudos


Talvez a verdadeira doença seja afinal

Não querer parar

Para sentir

Esse mesmo lodo que queremos entorpecer

Ou dispersar

Com um comprimido mágico ou num bar

Num ciclo onde giramos

Rodamos e aceleramos

Sem engatar mudanças que acompanhem

A velocidade nova secular

Talvez a verdadeira doença seja

Não imaginar

Um futuro melhor

E não mais dançar no escuro


Eu queria

Construir uma família

Brincar na areia

Vivermos onde estamos e com quem estamos


Sem comentários:

Enviar um comentário

  [Serás humano até ao fim] caminhas tocando as paredes numa divisão obscura os caminhos múltiplos, as escolhas pressionadas por um tempo de...