Diário, 19 de Janeiro de 2022
[post-lexapro ou do ponto de vista humano]
Senti que nada cura como a felicidade.
Senti amor por tudo, por todos.
Chorei, mas as lágrimas não são negras. Ao contrário do riso, que aparenta uma só face, a solar, as lágrimas são tudo - o passado, o presente e o futuro. São as lágrimas o mais antigo hieróglifo humano. Se eu pudesse dizer o que é o humano - é essa súbita, benevolente, irrupção. O vazio que se enche a conta gotas até escoar finalmente. Suponho que não olhemos para dentro vezes suficientes - Ignoramos. Esquecemos. A questão de quem não nasceu equilibrista - a amputação de uma mecanicidade secular salvífica mas fria (poderíamos ser normais e ser?). Choramos. De não saber se já se chegou a casa. O medo de não estar em casa. O medo de crescer, de ir, envelhecer. O medo da corrente inevitável. O medo da decisão fundamental. A divergência de caminhos. A fixação, a transmutação ou a evolução. Tudo o que poderia ter sido. O pássaro, a libertação. Ou o confinamento e a dependência de um amor que solidificou. A infância que ainda treme. Não sabia que me esperava também uma vida humana (?). Não sabia que poderia também ser amada. Sabia que amava, apenas. Mas a casa sempre foi vazia, os verões sem praia, os refúgios páginas e ginásios e piscinas. As palavras - o refúgio sempre foram palavras. E eu espectadora. Quando viver é a coragem de estar imersa, de escolher, dentro de uma miríade de caminhos. Chorei. Agora racionalizo algo - A vida acontecer-me. Podia eu não ser mas estar doente?.
(Truman) Capote cantou sobre a harpa de ervas. A harpa que não posso nunca deixar de ouvir e, na repetição dos dias sempre iguais, um velho poema que escrevi - dar a volta ao mundo e perceber que tenho tudo aqui. Amor. Pensei que a lógica era uma armadura, um subterfúgio do conformismo. Ainda me sussurram sonhos de outros tempos. Mas eu queria parar aqui para te dizer que a herança são as lágrimas que fazes nascer nas profundezas de outrem. E cada abraço sentido. Cada partilha de sentimentos irremediáveis, frágeis. Encontros, toques, choques, beleza. O sagrado é o entrelaçar de dois espíritos. Que a vida é muda para quem vive só.
- Dançar sobre a tirania, erguer o olhar, lutar com esperança. Esperança com chão, com voz, de carne. Esperança no mundo já que a vida nunca nos enganou de facto. Esquecer-me do meu corpo na plena presença do espírito. Todos os órgãos funcionariam?
Cada vez que me abraças na noite.
Eu morro em paz.
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