Há um tempo em que irás
perceber que o tempo e o destino não estão do teu lado, são impessoais, por
mais belas que sejam as tuas histórias. Há um tempo para viveres gloriosamente
e para caíres a seguir. Um tempo para amar, para sofrer, aprender e ensinar,
para te curares e recobrares a centelha de vida levada com cada pessoa
que partiu do teu coração. Um tempo para recordares tudo aquilo que te quebrou
e tudo aquilo que te fez vivo por instantes. Porque a vida não é um recreio eterno, é
um espaço para o desenvolvimento pessoal, apenas conseguido na meditação sobre
cada fracasso, cada desdita, quando ela te abana e testa até um limite que
julgavas não aguentar. Há um tempo em que irás perceber que todos os teus
gestos e palavras te irão definir, perceber que o perdão é algo necessário para
te libertares das cargas que te pesam, um ato de misericórdia para ti próprio.
Há um tempo em que irás perceber que a maior parte dos caminhos terás de
percorrer sozinho, que o abandono é inevitável, as relações deterioram-se, não
são quadros estáticos - Mas o amor é a única coisa pela qual vale a pena sofrer.
Há um tempo em que irás aprender a humildade, aprender que, no fundo, somos
todos iguais, uns mais iguais que outros, mas iguais. Perceber que tudo já foi
dito por quem já viveu antes de ti, ou mais vida que tu - Mas vale a pena ouvir
de novo, por outras palavras, tudo o que trouxeste à vida dos outros, tudo o
que carregaste nos teus ombros tão fracos. Há um tempo em que irás perceber que
a beleza está nos movimentos, na paixão dos olhares, numa gargalhada sentida,
numa alma que se ergue de um mesmo chão, vez a após vez, porque vislumbra além
alguma coisa pela qual viver, que inventa e sonha em verde, sob um céu
cinzento. Um tempo em que irás perceber que não chegaria uma eternidade
literal, viveres mil vidas numa só, para tomares posse de toda a sabedoria da
existência, para se te influir todas as sensações de prazer ou dor, para te
conseguires expressar de um só fôlego, e resumir toda a tua vida num perfeito
epigrama. Há um tempo em que irás ver que as palavras não conseguem alcançar os
conceitos que tentam descrever, e não há conceitos mais inexprimíveis que o
Amor, a Solidão e a Saudade. Mas há um tempo em que irás perceber a mensagem de
cada canção, porque carregas em ti as cópias das histórias universais cantadas,
do amor, da perda, da solidão ou da saudade. Há um tempo em que tomarás consciência que
raras são as pessoas capazes de te ler, de ver através de ti, todo o potencial
que nem tu mesmo conheces. Tira-te então de ti, tira a ferros todas as palavras,
deixa ser som a tua essência. Um tempo em que perceberás que se não correres,
estás morto e aquém de ti, o tempo irá passar e não terás nada que te alimente
a partir de dentro. Um tempo em que perceberás que o Amor não pode ser droga
anódina, a solidão não pode ser a casa de ninguém, nem as memórias a cama onde
descansa cada lágrima passada, onde deixas de viver para recordar.
Neste interregno entre a
vida e a morte somos efémeros fora de nós, efémeros os lugares, as pessoas, as emoções.
Mas somos eternos nas memórias - Imagens ténues, imateriais, que parecem
prontas a desvanecerem-se se não fosse a nossa compulsão por as reavivar, porque amamos as suas cores. O passado afigura-se a outro mundo, dentro
deste. O passado é outro céu, outro Sol, outro eu. Misteriosas as malhas em que
se tece o nosso destino, implacável. Curiosas as personagens que se nos
atravessam no caminho, animados de vida, para nos dar lições, para se gravarem
em nós sem autorização, ou para nos gastarem o tempo. Não sentimos nunca o que já sentimos, no
mesmo espetro de intensidade ou quantidade, não encontramos nunca as mesmas
cores, e por isso ali descansamos em lugares sem tempo.
No fim estamos todos
sós, recolhidos e escondidos em nós. Em horas de abstração perguntam-nos "
- O que pensas?" e nós respondemos, cansados, "Nada.". Mas nesses
momentos, não estamos cá, os nossos olhos sem expressão estão ocupados a
vasculhar, a explorar o nosso mundo, as nossas histórias simplesmente
complexas, singelamente belas ou tortuosas, os nossos fracassos, as nossas glórias, sonhos e memórias - Tudo aquilo que nunca
conseguimos deixar para trás, porque não há onde deixar tudo isso. Recordamos vozes, cheiros e imagens perenes, e então, estaremos realmente sozinhos se nos recordarem também?
MF
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