segunda-feira, 21 de abril de 2014

A sofreguidão de um instante




Tudo renegarei menos o afecto, 
e trago um ceptro e uma coroa, 
o primeiro de ferro, a segunda de urze, 
para ser o rei efémero 
desse amor único e breve 
que se dilui em partidas 
e se fragmenta em perguntas 
iguais às das amantes 
que a claridade atordoa e converte. 
Deixa-me reinar em ti 
o tempo apenas de um relâmpago 
a incendiar a erva seca dos cumes. 
E se tiver que montar guarda, 
que seja em redor do teu sono, 
num êxtase de lábios sobre a relva, 
num delírio de beijos sobre o ventre, 
num assombro de dedos sob a roupa. 
Eu estava morto e não sabia, sabes, 
que há um tempo dentro deste tempo 
para renascermos com os corais 
e sermos eternos na sofreguidão de um instante

José Jorge Letria, in "Variantes do Oiro"

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