segunda-feira, 16 de junho de 2014

Num sonho de alguém




   É noite. A lua observa quem dorme e inspira sonhadores, acorda a imaginação de escritores. Desaguam pensamentos, há almas acordadas neste momento, inquietas. Dizem que nas noites em que o cansaço abraça cada músculo nosso mas não conseguimos dormir, é porque estamos acordados num sonho de alguém. Talvez. Talvez isso seja verdade e a vida tem um toque de poesia, ou talvez, e mais provavelmente, isso seja uma teoria egocêntrica e mirabolante, de alguém solitário e criativo. Mas esta noite, há uma rapariga acordada, a despeito de todo o cansaço que a envolve. Esta noite, essa rapariga chora com as imagens das memórias, que um dia a fizeram tão viva - "O que se passa comigo? Nunca chorei antes por ninguém... o que amo afinal, as memórias, as sensações, a felicidade que me deste? Quem és, quem amo ? Tu, tão longe, mesmo depois de cada lasca perfurada neste coração ? Ou aquele ainda mais longe, que me fez viva e julguei ser outro, aquele que criei a partir dos resquícios de luz que emanavas, as tuas partes genuínas? O amor não é lógico ( talvez seja por isso que amamos o amor) , não devia pensar ainda em ti...."; Não lhe chegou nenhuma resposta, somente silêncio, e a constatação de que é impossível dizer " já ultrapassei a dor e o sentimento, resignei-me ao meu destino", porque numa qualquer noite a solidão apodera-se de nós, e viajamos por momentos passados que não mais podem ser repetidos. É assustador que numa qualquer noite insone, as lágrimas viagem do coração até às janelas da alma. Devia estar a dormir, essa rapariga, devia estar perdida num belo sonho, longe de todas as memórias, sob a vigília da lua.
    Talvez chore, pelo silencio avassalador que a envolve nessa noite. Talvez chore, por se aperceber que não há plenitude na solidão, na calma, no afastamento voluntário das paixões que destabilizam a alma e a razão, mas que nos fazem realmente vivos e humanos, afinal. Talvez chore, por se aperceber que não consegue mais encontrar no mundo, no céu ou no mar, aquilo que um dia encontrou, em certos olhos. Talvez chore, quebre, para se assegurar de que ainda é feita de sangue e carne e alma. Queria sentir-se plenamente viva, como se sentiu um dia, não muito longe de hoje. Talvez chore, ao recordar algo que só ela sabe - tão forte que não pode ser descrito em palavras, somente no sal. Talvez chore, por causa de uma estranha destabilização resultante de sermos sonhados intensamente por alguém, numa noite inquieta de verão. Quer acreditar nisso. Acredita por instantes e caí, docemente, num sono calmo...


MF

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