domingo, 3 de maio de 2015



29.04.2015

   As avionetas percorrem o céu lançando para a terra salva- vidas. Aterram aqui - à mão, onde o apocalipse despoletou sem aviso e invisível. Aterram aqui, mas não lhes toco. Cá em baixo é calmo, terreno fértil para um outro tipo de morte. Foi um tiro sem som. Lento. Um desabar sem escombros. Continuam a lançar salva-vidas de diversos tipos e essências, ainda não desistiram de mim. Aposto que lá em cima fazem apostas. Não sou ingrata, sou inerte. Não quero barcos, nem aviões, nem escadas, nem mãos. Estou aqui, impassível. Mas transcendo às vezes plácida, no espaço que antecede um verso derradeiro de um poeta do meu sangue. Transcendo em tesouros secretos da solidão - breve saciar espiritual sem enlevo protuberante das tempestades que galvanizam o sangue e a razão.

 As avionetas não cessam, substituem-se umas às outras. Talvez um dia deixem de aparecer e eu continuarei aqui, sem hipótese de sair para a promessa de outros mundos fora deste. Mundos intocados e de outras poesias. Mundos sem mácula, ainda virgens. Sairei daqui. Se eu não adormecer aqui… quando um beijo for mais que um beijo, quando as minhas mãos tremerem, quando a minha voz tremer e quiser mais que o meu silêncio e a minha pele estiver pronta a sentir e os meus olhos finalmente abertos à morbidez da desolação que começa em mim. Talvez aí – sairei daqui.

MF

Grouper, Holding - https://www.youtube.com/watch?v=i31zFiwBFho

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