29.04.2015
As
avionetas percorrem o céu lançando para a terra salva- vidas. Aterram aqui - à
mão, onde o apocalipse despoletou sem aviso e invisível. Aterram aqui, mas não
lhes toco. Cá em baixo é calmo, terreno fértil para um outro tipo de morte. Foi
um tiro sem som. Lento. Um desabar sem escombros. Continuam a lançar
salva-vidas de diversos tipos e essências, ainda não desistiram de mim. Aposto
que lá em cima fazem apostas. Não sou ingrata, sou inerte. Não quero barcos,
nem aviões, nem escadas, nem mãos. Estou aqui, impassível. Mas transcendo às vezes plácida, no espaço
que antecede um verso derradeiro de um poeta do meu sangue. Transcendo em
tesouros secretos da solidão - breve saciar espiritual sem enlevo protuberante
das tempestades que galvanizam o sangue e a razão.
As avionetas
não cessam, substituem-se umas às outras. Talvez um dia deixem de aparecer e eu
continuarei aqui, sem hipótese de sair para a promessa de outros mundos fora
deste. Mundos intocados e de outras poesias. Mundos sem mácula, ainda virgens. Sairei
daqui. Se eu não adormecer aqui… quando um beijo for mais que um beijo, quando
as minhas mãos tremerem, quando a minha voz tremer e quiser mais que o meu
silêncio e a minha pele estiver pronta a sentir e os meus olhos finalmente
abertos à morbidez da desolação que começa em mim. Talvez aí – sairei daqui.
MF
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