[ESCRITA AUTOMÁTICA]
15 de Julho
I
Dali Remorse, or Sphinx Embedded in the Sand |
*
(1h53)
Assomam
aos lábios os trejeitos mórbidos na canção desmedida das folhas nocturnas . Desembarcam réstias, agulhas enlaças num torpor sem folgo, sussurra o semblante
gasto das estepes vazias, gira ao encontro do beijo insano. Rega o polegar por
dentre as folhas brúmicas de demónios acordados. Pressente- o povoado fímbrico
de névoas sem ninguém aladas aos rostos soturnos por onde navegas. Estás parada,
pedem-te para sorrir a sós na tua idade, sombra, cruz, quebra, parte daqui e
para sempre, não venhas, nem chegues ao redor da tua própria sombra. Que és tu?
Parada no tempo perdido, parada e incerta no medo parafraseado e demente,
escasso, premente. Ofuscas o escarlate de teus lábios na sombra oposta do
mistério, as luas partem-se em mil e o dia ainda não chegou. A pele encerra
dilemas e estrelas sangram pela destruição sem regra. Onde vamos? Para onde
vamos? Prende-me ao chão agora, agora que não sei saber não ter asas.
*
(2h16)
· Realiza-me
no céu de gente, no trono quebrado sem eixo, móbil pulsante de um ciciar. Demove-me dos gestos cegos lançados no vácuo profuso onde morrem as traças. Segura-me a
cabeça, segura-me, e indica-me onde nasce o sol depois de cada morte. Viaja.
Comigo no espaço, entre os vazios incomensuráveis de mil amanhãs. Chega-te ao
calor que ainda emano, oriundo da fonte trágica e viciada no cansado e ditoso
trepidar da memória nas noites escuras sem ninguém. Os minutos escorrem desde
sempre e para toda a eternidade e minto-nos se disser que estou em paz porque
não sou ave. Pressinto a canção da montanha mas não lhe ouço o silêncio cheio
que equilibra as navalhas e lhes embota as extremidades prontas. Ressumbra e
assoma o tempo de encontro a este corpo. Ainda sonho com um regresso, ainda
sonho com os tectos sem fronteiras trajados de estrelas e a leveza do não corpo,
a destruição de todos os espelhos baços e das agulhas inconstantes enlouquecendo
a pele. E há também o dar-me a seu tempo, e depois uma morte qualquer e saudades
do que nunca fui.
*
(2h23)
Vou partir
impercetivelmente por dentre as portas, num silêncio pesado de mim e de todas
as horas paradas num instante atónito. Quebrei semeando pelo caminho pesados
tempos de cegueira, unida aos traçados puéreis de quem não sabia persistir.
Movi-me por dentre todos vós, assim quase sem saber que ou porque me movia, por
dentre tanto e tão pouco, trajes negros e almas tão felizes nas suas pequenas
lamacentas poças que em fraqueza invejei. Eu que quis ser diamante. É noite e
há morte entre as veias e caminhos que nunca soube desbravar. Ocultam-se
formas, percevejos, rostos atrás do iceberg. E as cordas prendem-me os pés
enquanto incorro de novo para as fogueiras de gelo, e abraço as lascas com tudo
de mim, com tudo de mim. Grito no cume do iceberg e defronte a mim há o mar de
gelo e estou longe. Começo a esquecer-me. Apunhá-lo o peito com a adaga e
recomeço a delinear de novo a minha outra morte.
*
(2h39)
Se me
perguntares digo-te que arrasto ainda todo o sismo que arrebatou cada músculo
meu e ceifou-me a criança da alma. O chão mostrou-se enfim como era - de vidro
pronto a quebrar aos pés de um gigante invasor, que nos subtraiu o mundo. Não
sei como o teu sangue traiu-te de morte, em lufadas várias de terror e medo,
caótico o estrepito ao teu redor aumentado pela noção de finitude de um ser até
então velho mas aberto a possível juventude aquando talvez o tiro de um beijo
ou o assentimento último de uma verdade. Despoletaste o tempo irmão. Acumulei
terra em promontórios nos meus sonhos onde sonhei morrer e nunca mais
sonhar.
*
(2h48)
A pedra fica
fria e não sente nem envia risos germinados internos. As praças regem-se pelo
claro trajeto inerte, de todos aqueles que pisaram os seus limites e morreram.
Passeio sem saber porquê ou quando o fim se fará vago anseio verdadeiro. A
insônia carrega o sangue e as pálpebras de um sem nome de mortes, ao encontro
Dela as serpentes cheias de lodo e sangue no limbo de lugares esquecidos e
amorais. O titã acorda do seu longo sono e vem perder as horas no nosso mundo,
semeando tragédias e furores nos corações dos homens. Sucumbem à loucura na
hora magna e gritam de promontórios os vulgos perdidos. Assombram-me. Todos
esses pedaços sem fio, ramificados e nutridos pela árvore humana. Sonham nos
caules as cores que não existem, adormecem com as escoltas vazias e os olhares
recolhendo-se para dentro como que em desesperado anseio de luas e estrelas
perfeitas, sentinelas do relento anímico.
*
(3h04)
Os raios não
enviam vida do fundo onde aconteceram secretas mortes, fuzilamentos silentes
cantados por mil balas. À frente, a parede, que queria transcender, trepar a
ferro e sangue, cega de tudo o quando poderia ver. Sede de cântaros partidos e
asas liquefeitas. O medo ascende quase plácido de lugar nenhum, aranha fria e
feroz por dentre as brumas a trepar, até à boca que sela com o estupor das suas
teias, asfixia de fora para dentro, as mãos presas e o corpo sólido e múmia
para ser deitado às larvas envolto nas falsas sedas. Pudesse levantar-se e
anunciar-se como as trombetas, de novo pronto a correr por mais distância que a
capacidade da carne. Ressurgir no bater das palmas dos anjos que fitaram todo o
desmoronamento com as lágrimas a ameaçarem turvar o céu. Levantar-se no
passado e obstruír os canos das espingardas empilhadas no monte a que foram
deitadas depois do massacre. Ela não lhes viu os rostos, perdida que estava na
sereia talhada a ouro na parede. Sem medo de ir embora.
MF
Sem comentários:
Enviar um comentário