sexta-feira, 17 de julho de 2015



[ESCRITA AUTOMÁTICA]

15 de Julho 

I

Dali Remorse, or Sphinx Embedded in the Sand

 *
(1h53)


Assomam aos lábios os trejeitos mórbidos na canção desmedida das folhas nocturnas . Desembarcam réstias, agulhas enlaças num torpor sem folgo, sussurra o semblante gasto das estepes vazias, gira ao encontro do beijo insano. Rega o polegar por dentre as folhas brúmicas de demónios acordados. Pressente- o povoado fímbrico de névoas sem ninguém aladas aos rostos soturnos por onde navegas. Estás parada, pedem-te para sorrir a sós na tua idade, sombra, cruz, quebra, parte daqui e para sempre, não venhas, nem chegues ao redor da tua própria sombra. Que és tu? Parada no tempo perdido, parada e incerta no medo parafraseado e demente, escasso, premente. Ofuscas o escarlate de teus lábios na sombra oposta do mistério, as luas partem-se em mil e o dia ainda não chegou. A pele encerra dilemas e estrelas sangram pela destruição sem regra. Onde vamos? Para onde vamos? Prende-me ao chão agora, agora que não sei saber não ter asas.

*
(2h16)

·   Realiza-me no céu de gente, no trono quebrado sem eixo, móbil pulsante de um ciciar. Demove-me dos gestos cegos lançados no vácuo profuso onde morrem as traças. Segura-me a cabeça, segura-me, e indica-me onde nasce o sol depois de cada morte. Viaja. Comigo no espaço, entre os vazios incomensuráveis de mil amanhãs. Chega-te ao calor que ainda emano, oriundo da fonte trágica e viciada no cansado e ditoso trepidar da memória nas noites escuras sem ninguém. Os minutos escorrem desde sempre e para toda a eternidade e minto-nos se disser que estou em paz porque não sou ave. Pressinto a canção da montanha mas não lhe ouço o silêncio cheio que equilibra as navalhas e lhes embota as extremidades prontas. Ressumbra e assoma o tempo de encontro a este corpo. Ainda sonho com um regresso, ainda sonho com os tectos sem fronteiras trajados de estrelas e a leveza do não corpo, a destruição de todos os espelhos baços e das agulhas inconstantes enlouquecendo a pele. E há também o dar-me a seu tempo, e depois uma morte qualquer e saudades do que nunca fui.

*
(2h23)

Vou partir impercetivelmente por dentre as portas, num silêncio pesado de mim e de todas as horas paradas num instante atónito. Quebrei semeando pelo caminho pesados tempos de cegueira, unida aos traçados puéreis de quem não sabia persistir. Movi-me por dentre todos vós, assim quase sem saber que ou porque me movia, por dentre tanto e tão pouco, trajes negros e almas tão felizes nas suas pequenas lamacentas poças que em fraqueza invejei. Eu que quis ser diamante. É noite e há morte entre as veias e caminhos que nunca soube desbravar. Ocultam-se formas, percevejos, rostos atrás do iceberg. E as cordas prendem-me os pés enquanto incorro de novo para as fogueiras de gelo, e abraço as lascas com tudo de mim, com tudo de mim. Grito no cume do iceberg e defronte a mim há o mar de gelo e estou longe. Começo a esquecer-me. Apunhá-lo o peito com a adaga e recomeço a delinear de novo a minha outra morte.

*
(2h39)

Se me perguntares digo-te que arrasto ainda todo o sismo que arrebatou cada músculo meu e ceifou-me a criança da alma. O chão mostrou-se enfim como era - de vidro pronto a quebrar aos pés de um gigante invasor, que nos subtraiu o mundo. Não sei como o teu sangue traiu-te de morte, em lufadas várias de terror e medo, caótico o estrepito ao teu redor aumentado pela noção de finitude de um ser até então velho mas aberto a possível juventude aquando talvez o tiro de um beijo ou o assentimento último de uma verdade. Despoletaste o tempo irmão. Acumulei terra em promontórios nos meus sonhos onde sonhei morrer e nunca mais sonhar.

*
(2h48)

A pedra fica fria e não sente nem envia risos germinados internos. As praças regem-se pelo claro trajeto inerte, de todos aqueles que pisaram os seus limites e morreram. Passeio sem saber porquê ou quando o fim se fará vago anseio verdadeiro. A insônia carrega o sangue e as pálpebras de um sem nome de mortes, ao encontro Dela as serpentes cheias de lodo e sangue no limbo de lugares esquecidos e amorais. O titã acorda do seu longo sono e vem perder as horas no nosso mundo, semeando tragédias e furores nos corações dos homens. Sucumbem à loucura na hora magna e gritam de promontórios os vulgos perdidos. Assombram-me. Todos esses pedaços sem fio, ramificados e nutridos pela árvore humana. Sonham nos caules as cores que não existem, adormecem com as escoltas vazias e os olhares recolhendo-se para dentro como que em desesperado anseio de luas e estrelas perfeitas, sentinelas do relento anímico.

*
(3h04)

Os raios não enviam vida do fundo onde aconteceram secretas mortes, fuzilamentos silentes cantados por mil balas. À frente, a parede, que queria transcender, trepar a ferro e sangue, cega de tudo o quando poderia ver. Sede de cântaros partidos e asas liquefeitas. O medo ascende quase plácido de lugar nenhum, aranha fria e feroz por dentre as brumas a trepar, até à boca que sela com o estupor das suas teias, asfixia de fora para dentro, as mãos presas e o corpo sólido e múmia para ser deitado às larvas envolto nas falsas sedas. Pudesse levantar-se e anunciar-se como as trombetas, de novo pronto a correr por mais distância que a capacidade da carne. Ressurgir no bater das palmas dos anjos que fitaram todo o desmoronamento com as lágrimas a ameaçarem turvar o céu. Levantar-se no passado e obstruír os canos das espingardas empilhadas no monte a que foram deitadas depois do massacre. Ela não lhes viu os rostos, perdida que estava na sereia talhada a ouro na parede. Sem medo de ir embora. 



MF







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