sexta-feira, 17 de julho de 2015





[ESCRITA AUTOMÁTICA]


15 de Julho

II

René Magritte, The Lovers I (1928)


*
(3h38)


Por último espero, no breve apêndice de gestos gastos e perecíveis. Foi um sem número de esperas sem furor e sem esperança. Duvido que te esqueças quando e onde fomos ou estivemos, porque na estrada do pelouro deixei meu rasto a sangue. Ainda povoas os núcleos dos meus cansaços como maldita condenação precedida ao teu real valor. Pressentes talvez que ainda me manténs acordada numa semi-morte no mundo calado de um quarto depois das três. Só os ponteiros do relógio marcam o sólido frame parado do meu inquieto fluxo inconsciente. Envio-te uma miríade de nostalgias acres em navios aportados nos teus sonhos. De manhã continua - na tua simulação de vida, como eu e toda a gente.

*

(2h31)

Pesados escombros de beleza estilhaçada… Não toco, não posso tocar as janelas que principiam de novo o queimar do teu rosto. Ao longe e contigo, o sol e a idade ainda jovem. Liguei os teus lábios ao universo, que adormeceu perto de mim e me beijou o rosto enlevado nos sonhos das canções e do esquecimento teu. Obliterámos o mundo, nós dois, e hoje navegas comigo fantasma. Lembras-me na insónia que sou ainda humana e penso cada faca e dispo os nossos quadros de paisagens que não são daqui, para logo resgatar toda a poesia confinada ao gasto chão de um sótão vazio, e ela voa para te cobrir e pintar de novo. Moreno falcão anímico, viste-me quase toda a alma.

*
(12h45)


As pegadas sucumbem fúnebres pelas areias infindas de um qualquer amanhã. Percorre o tempo sem eixo e demove o trono a deus na sua imparcialidade histriónica. Seca-me a dor por entre os dedos e os furores de mil medos emaranhados às estruturas caladas de mim, "- Beija me”, digo, "o interior cheio e vazio”; Sucumbe por fim, tu também ao mar e ao horizonte quebrado em papéis nocturnos, envia-me o teu beijo através do cataclismo prepotente, dos céus desfeitos e pássaros e animais caídos Envia-me palavras que repousem nestas pálpebras de mil anos para que estas pensem morrer em paz. E tu, lembra-te de mim nos últimos microssegundos expandidos num alvoraçar caleidoscópico e chora, não por nós mas pelo tempo e por nascermos humanos, a nós atado o orgulho quando não somos nada, brincámos à solidão, às ausências e silêncios nossos mas todas as noites nos perscrutámos cá dentro.

*

(12h58)

Olha-me as estrelas e as estradas nocturnas dos vagueantes da morte, perecemos também em camadas diferenciais de assombro e torpor tépido de outros anos verdes que se prolongam parasitariamente nestes. São círculos oratórios de outras sensações e vontades, vazios que não eram estes vazios, vazios que eram somente espaço para preencher com memórias vívidas. Desnudámos o Tempo, embelezamos o Tempo e o nada de momentos, só cá dentro os idolatramos como se fossem incêndios ainda vivos. Olha as estrelas, vê como se pressentem mortas e ainda se presenteiam magnas nesta noite velha.






MF




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