terça-feira, 18 de agosto de 2015



[Pensamentos]



Rainer Maria Rilke


(A imortalidade)

Não a eternidade. Não um vago nome no ar, reconhecido apenas auditivamente mas não realmente sentido. A grande obra, o grande fim, é fazer algo que ecoe num coração sensível, nem que seja de década em década ou uma vez em cada mil anos. Aconchegar esse coração valeria cada sofrimento pessoal, aconchegar esse coração com o aconchego da dor secreta compartilhada e exaltá-lo, fazê-lo vivo, nesse instante impagável em que um verso repercute dentro de uma alma e faz florescer nela um paraíso. Como no final de um dia X - uma rapariga regressa a casa e no autocarro lê Rilke. De fora pareceria, decerto, uma rapariga banal com um livro banal. Mas não saberão nunca o que aconteceu ali... Só ela sabe e envia aos céus um secreto anseio: pede com quantas forças tem que Rilke saiba. Que saiba que não morreu, que está vivo dentro de uma alma, a dela, de uma forma incandescente e que são as palavras a razão da sua lágrima abstracta, a respiração suspensa, e de toda a vasta viva paisagem que ficou ainda mais viva com o eco dos versos num autocarro em movimento. Os mortos renascem, não quando o seu simples nome é proferido mas sim quando a sua obra é sentida e faz sangrar, chorar, suspirar, amar, voar, uma juventude solitária como eles, num simples autocarro ou num simples quarto, três ou mil anos depois.
 Oh Rilke, oh Sylvia, oh Al berto... ela espera um dia possuir essa imortalidade que nas sensíveis almas ganha seu trono, tacteia os corações e os abraça, numa comunhão intemporal e mais que humana.


*

O fundo onde acontecemos é o fundo onde aconteceram outros mil amantes. Mas sabemo-lo só nosso - somos os detalhes sempre novos que florescem nesse fértil fundo e o fertilizam ainda mais, e num beijo está implícito o lacónico hino:

Amamos amar o amor porque amamos voar e degustar 
um aceitável efémero instante de esquecimento...








MF



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