domingo, 4 de outubro de 2015

A ideia de azul contra o céu em si mesmo






II


enche-se-me o peito às vezes,
a luz dispersada no nevoeiro matinal através das montanhas
a paisagem em movimento, a música de nós mortais
dos calados, dos discretos, extensões desse deus poeta
que não posso compreender mas é necessário
que nos assiste em cada exaltação táctil de Beleza

deveria inventar uma palavra para substituir "memórias"
porque falo de outra coisa grandiosa, falo
de quadros de inocência longínquos
falo de olhares que assomam nítidos de vales cerebrais
com milhões de segundos de existência
vales onde se delinearam os contornos gráficos de lábios e olhos,
de silêncios e cores imiscuídas no ar, acoplados os sentidos
ateliers internos onde se trabalharam o diafáno sinestésico
quando todos os póros se abriram para sorver o ar
porque a vida estava toda ali
falo de coisas que se movem cá dentro em órbitas excêntricas
invisível cheio de tudo que germina dentro e parece sobreviver fora
falo das coisas que dão sentido a uma perpetuação física de mim
num outro corpo, do meu sangue e doutro sangue
outro sangue que me olhe como esses olhares que ainda guardo,
conseguidos na juventude, revestidos dentro
de poesia maior que tudo, poesia sem palavras
poesia para a qual as palavras nada mais são que empecilhos
recursos expressivos, tentativas de tactear
e achar o rastro, a transmutação gráfica
toscos caracteres que nada dizem do que grita
apenas diminuem o sentido do que se quis mostrar
poesia para a qual as palavras são isto: a ideia de azul contra o céu em si mesmo.


MF



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