sábado, 17 de outubro de 2015





William Black


És-me necessário - por uma razão pouco convencional às que estás talvez habituado: 
És-me necessário, como testemunha, como guardião de toda a beleza que o meu corpo guardou, mas que dissipar-se-á como um sonho, fiapos destes, quando a terra o cobrir. As têmporas doem quando um humano chora. E se choramos, ao menos que fique alguma coisa - A poesia de momentos; A fragilidade abraçada, a tentativa de salvar alguma coisa mais pequena que nós, mais pura que nós. A inocência. Voltamos todos a ser inocentes no contacto com a Inocência. Não há mácula, orgulho, vaidade nem degeneração em nós. Somos altos porque amamos. O Amor. Entre humanos, entre-espécies, entre o impuro e o puro. Todos os conceitos e juízos se confundem no Amor e na Inocência. Guarda-me tudo isso já que a memória é perecível em nós mortais. Que tudo fique vivo, para alguém que não nós. É premente - que o luto nos devolva à vida destinada à perplexidade constante. Mas por favor, existe. Existe para que o amor não se perca entre tanta dor, tantos séculos, tantos espasmos, tantos lugares e esquecimentos. Por favor existe, e faz poesia com tudo isto que guardo dentro de mim. Ou que tudo abrande na volta para trás, no regresso, na inversão do tempo, e pára-me, pára-me em cada insígne momento, cada momento em que acordaste do teu sono só para ver, só para nos ver, só para chorar de comoção (impassível devido à tua inexistência fora destas linhas) - quando nos viste a ser tão puros que nos confundimos com a Beleza. E depois adormece, acorda intermitentemente apenas em cada quadro de amor protagonizado por nós mortais, porque nos intervalos não precisamos realmente de ti, não precisamos da tua inércia, do cálice seco de que bebeste para criar o universo e depois adormeceres. Que existas apenas como receptáculo de memórias, memórias do meu ponto de vista, como se fosses eu. Talvez sejas eu, e toda a consciência mais aguda que pensa nestas coisas. Talvez eu seja tu, abstractamente me acho inesgotável mas perdi o poder que nunca tive. Só nos sonhos os mortos ressuscitam, só nos sonhos. Nesta vida as minhas mãos estão feridas de todo o sangue que não conseguiram salvar. Estou também adormecida como tu, a maioria dos dias, mas às vezes acordo, como hoje. Quando ouvi uma voz que me disse "não resistiu", e morreu mais uma inocência. Acordo e exteriorizo-me, duplico-me e digo: alguém que veja isto. Alguém que grave isto - A parte mais enternecedora de ser humano: quando deitamos fora a irrisória, excessiva auto-consciência e nos armamos para salvar outrem, mais fraco que nós, necessitado de nós. Mas não conseguimos... (somos tão pequenos e sofremos toda a impotência) por mais que tenhamos tentado, a despeito dos nefastos pressentimentos, vinte ou mais dejá-vus aleatórios numa só semana. 

Sofrimento. Diz-me porquê. Grava-me os quadros, petrifica-os no ar, fá-los voar através do universo e de alguma maneira diz-me também porquê.






MF








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