26.10.2015
1h53
[A Dor da Beleza]
(...?) É como a frustração de um despertar súbito de um sonho no seu clímax, ou a impotência de reter um pôr-do-sol por mais uns segundos, só para o poder pintar (só depois de o ter pintado poderíamos aceitar que este se fosse dissolvendo no fulvo céu). É, todo o ser humano tem a boca cheia de cinzas, cinzas colectivas de toda a frustração de não conseguir, não ter a arte ou o tempo de conseguir, captar o belo. Dói-nos tanto a Beleza transfigurada porque é rara, porque é o quadro desse pôr-do-sol esquivo, e, principalmente, porque foi outro humano a consegui-lo e não tu. Estamos (a maioria de nós) condenados a uma ambivalente condição de poder ver a Beleza (solitáriamente, unicamente) mas sermos incapazes de lhe dar uma forma perceptível para outros humanos (é um imperativo humanístico - " - Foi tão belo, queria que vissem, queria que sentissem, através de mim"), uma forma intacta, uma forma infinitamente passível de revisitação sensacional, um quadro, uma melodia, um poema...perfeitos, com o nosso toque imanente na substância fundamental, pois a bela arte é a nossa simbiose com a Beleza, é o produto final, o rasto diluviano organizado da Beleza que nos atravessou o sangue por instantes e para sempre.
(Porque não nos chega senti-La?)
"- Beleza, Beleza, fica quieta, para que eu te possa captar..."
E às vezes ela fica mesmo quieta, suspensa por instantes, e nós choramos, e as lágrimas enevoam nossos olhos e fazem tremer as nossas mãos e jazemos caídos no chão, derrotados com a dimensão da tarefa a que nos entregámos. Ficamos petrificados diante a montanha e descobrimos as nossas algibeiras vazias de milagres - não achamos cadernos, nem telas, nem pianos que possam captá-la.
E caímos de novo,
e choramos de novo,
e somos crianças no dia triste em que estas aprenderam sobre a morte.
E a criatura lança-se na terra e rabisca versos na terra com os dedos, num súbito acesso de loucura.
E inicialmente parece que tem ali uma bela coisa mas depois levanta a cabeça para a Beleza (ainda suspensa), e depois olha de novo para o que escreveu no chão e percebe que não captou afinal nem um traço da luz que cobria essa Beleza e culpa as palavras, culpa a limitação semântica e até fonética das palavras e grita por uma nova linguagem - Uma que fale, a ela e aos homens, a conquista rara da imortalidade.
MF
Sem comentários:
Enviar um comentário