sexta-feira, 6 de novembro de 2015



[poema semi- automático
verso - eu vejo as tuas mãos no calor que já não tocas]


eu vejo as tuas mãos ainda no calor que já não tocas
o desejo podia dissolver-se no vento
e já não se espraiar por todo o esquecimento mutável
eu vejo as tuas mãos ainda, no calor que já não tocas,
e os teus lábios, projetados na parede do meu quarto
o silêncio antecipado do teu beijo
ainda volto aqui, não sei porquê
não sei porquê
se o sol já se deitou e deram tiros de partida para os dias
excesso de dias, estes, excesso de dias lentos
é insidioso
o nosso corpo reformular-se a partir de dentro,
recriando a superfície hiper-sensível,
são antenas, decerto, antenas que só reagem
àqueles traços, àquelas linhas, àquela tez,
àquele corpo,
o nosso corpo,
que só reage a esse outro, demarcado, específico corpo,
não, não é enganado por sombras, porque somos
desesperadamente únicos
eu vejo as tuas mãos ainda, no calor que já não tocas
foram desassossegos bons, resgates sanguíneos,
falo de amantes, escrevo sem sangue
amálgama pluralista de quadros
verdes ou castanhos
eu vejo as tuas mãos ainda, no calor que já não tocas
procurando sinais de mim aí, porque não existo realmente
talvez ninguém realmente possa existir sem o outro
não, aniquilo o talvez - ninguém vive sem o outro
eu vejo as minhas mãos ainda, no calor que já não toco
as minhas mãos sem mapa
na tua boca,
gravando-te os lábios,
acesas no concupiscente braille
e sem noção de fim, sem noção
de todo o tempo por vir que ainda não existia sem ti,
agora aqui todo, circunscrito nesta imensidão nua, vazia.

MF









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