quarta-feira, 16 de dezembro de 2015




De espelhos, tristeza e eterno retorno:

E seria triste, uma tristeza disfarçada
através dos dias, dos ciclos, das idades,
até ao dia em que aquele viesse até a mim e me dissesse
 "- és bela, mas tira do rosto essa tristeza.
chora apenas com medo de morrer sem teres aprendido a dançar"

2

o espelho devolve-me visões futuras, vejo
a transmutação das linhas do meu rosto, da minha pele
e localizo-me a dezenas de anos-luz de distância
como naqueles poemas em que mergulho
e mal volto, na senescência de quem caminhou
mil desertos, cambaleante, ofegante, a cabeça
a querer dormir
nessa abstração de mim que faço ao espelho,
sei porque me esqueço, sei porque me esqueço,
do ideal da poesia em ato, movente, que se é, sem palavras.
Porque dói de mais - a noção aguda da impermanência, da irrepetibilidade
de tudo, da diluição da frescura de quem fomos, todo o abismo
atrás de nós, todo o abismo além de nós, sem espaço para nós, outra vez

3

Se o ciclo fosse irrevogável nas suas chagas e ternuras,
quereria de novo ser-me ?
a alma tem-me todo o peso da Beleza, e do projecto-montanha de a ser, totalmente,
quero uma espécie de epifania existencial de saber finalmente estar aqui
e então poderia dizer, finalmente, ao demónio que me sugeriu tal ciclo,
" - Tu és deus, e eu nunca ouvi nada mais divino !"*



* O eterno retorno, (Nietszche)


MF




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