segunda-feira, 14 de dezembro de 2015





O dom do sentido sinestésico, do filtro poético, em mim
(este sexto sentido) conspurcado
por não o encarnar vívido,
por não o ser, não ser a poesia que pressinto nas coisas e que escrevo
eu ouvi Deus - veio dizer-me que eu estava cega,
cega, cega no nível fundamental
porque eu sou escrava de espelhos e de corpos
para me dizerem que estou cá
e eu disse-lhe: " Deus, quando fiquei cega?"
e Ele respondeu-me: "Quando julgaste que a melancolia era a base do mundo e da arte,
ou quando encheste o mundo de espelhos"
recolhi-me ao meu quarto, chorei a verdade de tais palavras
a assassina em mim, todos os bloqueios ao redor do meu próprio sangue
para que este se não espalhasse para muito longe
do meu controlo, ou fervesse tanto que doesse
recebê-lo depois frio no meu corpo,
porque julguei o amor melancolia
e contentei-me com a sua abstração e nunca com a sua experiência,
sempre nova, sempre inesgotável, sempre autentica e visceral
Ele veio dizer-me - que eu estava cega e que era um pecado -
- estes meus olhos sinestésicos para um coração envenenado,
e viciado na sua roda da loucura azul
Ele veio dizer-me que eu estava cega, e eu cai de joelhos na Humildade,
eu cai de joelhos, Humildade, e encontrei-me nua, todo o universo me viu assim
vi-me sem asas, sem graça, sem espírito, somente carne
somente carne, a carne que sonhava que era da substância das asas
naufragadas num planeta estranho, de cinza e simultânea luz,
onde não se podia compreender a morte, nem tampouco a dor
eu estava irremediavelmente cega para as organizações infinitesimais
de Beleza na vida em ato, e não apenas na paisagem bela mas plácida
de onde extraia versos de mim para o céu, e para o mar
eu esquecia todas as vezes que ouvi dentro esta certeza:
é fora do domínio das palavras, é no seio de uma solidão não solitária
que senti a mensagem sem agentes intermediários,
directamente no meu sangue e alma - "Não há razão para ter medo."

E então pergunto a Deus - Agora que sei, porque me esqueço?
(e acho que Deus morreu, antes de me poder responder.)


MF












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