terça-feira, 17 de maio de 2016





[ESCRITA AUTOMÁTICA]

16 de Maio 





Tens de ir não vás . Dá-me a mão. Fica. Volta. Em torno do tempo girávamos como se fôssemos ontem. Tenho tanto medo que vás embora. Tanto medo de ir embora de ti. 
Resquícios de lugares sem ninguém. Plataformas e sirenes e abismos e juízos. E não sei mais estradas nem areias nem corridas nem jiboias. Vem assaltar o tempo e as cordas. Do alto é lindo. Do alto voamos. Soubeste por acaso do desejo emergindo sob a pele? As tuas mãos talhado rios e horizontes fulgurantes no meu corpo. As tuas mãos nas minhas costas pela primeira vez. E as montanhas esquecidas. E as montanhas adiadas. Sou humana. Se sou humana. Capta-me os olhos, a vida, a forma e o terreno espumoso onde canto e cultivo tudo o resto. Ouvi uma luz dizer-me o gesto e as colunas de ar de um cume aéreo, divino, uma visão inconcebível e parada aqui. Não sei de onde ou porquê. Peço-te que escales por dentre o sangue até mim, até eu, até nós lá atrás distantes e verdes. Não sabíamos os mares até aqui. E as florestas e as trevas e as aves. Subiste o mundo. O vácuo do mundo fui eu que não abri. Não esculpi as partes frágeis de mim. Nem consumei o espaço do sol. Ouvi-me dizer o mundo quase sem me ouvir dizer o mundo, ouvi dizer o céu arenoso e a marulhar cristais e anéis sem origens. 


Eu volto até mim. Eu volto até estalar de novo. No céu. No magma. Eu quebro em vidro e carne e sangue e ar. Perguntaram- me ontem se podia ser. Se podia andar e correr. E eu disse que nunca havia sido nada, que nunca sei dizer o gesto mais simples nem amar como gente simples. A vida foi-me vivida em segundos suspensos, cascatas rápidas e pueris. Sinos tocados no cimo de uma agonia. E mortes morridas e inventadas. Espraiei-me num mar desencantado e sirenes e mares abriram todo um caminho até aos versos sangrados , sofridos, idos. Páginas de lei morta e saudade extinta. Ouvi-te chamar na escrita, do fundo da desdita da noite que não dormiu. A noite fez-me inquieta para te dizer. O sem sentido de tudo isto que lerei. Farei o milagre do sentido, farei, o extinto laço com que te meço ao palmo. Farei, a ingrata corrida até ao fim. E saberei as flores, e degustarei as feridas.


*


Eu clamo por palavras não pensadas. Eu digo que nunca plano sem ter havido um plano onde cair. Desenho-te os contornos que não conheço. Mergulho entre os dedos e faróis de ti. O desejo alado e as feridas abertas. Janelas partidas e vidros desfeitos. Visões de ser eu quando não sabia. Visões de Marte visões da vida. A calçada fria caminhou lenta por dentre os ossos. O nevoeiro aceso cantou trevos e claridade inquieta. O fundo onde me esmago é o fundo onde sobrevivo. Achando peças sem lugar. Consumindo páginas e bebendo com vidas e cérebros passados. Eu sei, que nunca irei saber, eu sei, que o mundo é grande e poço para quem não sente. Eu sei, podia sentir e fazer sentido. Sentido de tudo isto sentindo. Foi uma vez para sempre uma vez sentindo o sangue girar e pontapeando o tempo. Os relógios pararam. Os dias começaram. Vem saber. Vamos saber tudo isto com os corpos. Corpos frios e quentes. Acesos por se dar e extinguirem no outro. Ama-me se não vieres faz de conta que viste. Isto que vejo sem poder saber. São visões tão da terra. Tão impossíveis de possíveis. Sou eu, eu podendo ser total e a vida inteira no meu coração. Em cada agora semear o próprio sagrado do tempo que nos trouxe até aqui. Morremos um dia e corremos espaços até aqui. Não passou tempo nenhum, apenas eras e ciclos de criação e destruição. Agora todos aqui. Todos vivos e às vezes extintos como areias duplamente mortas,


*

Tenho a noite no coração e o paraíso igualmente nele. As ruas desertas e becos inquietos portais para a palavra, para a entrega , brechas por donde me vês, poderias ver se quisesses as palavras flutuantes no silêncio nosso. E os pontos. E as vírgulas. E as casas. E as malhas. Sou tão nua às vezes na minha discrição. Oculto-me nas sombras do sereno e do mudo. Quero tanto ouvir porque a ouvir eu falo. As pálpebras no limiar do desmaio súbito e o sonho a caminhar até mim, não sei quem o talha ou o move mas ele vem contar-me em imagens e sobressaltos os estilhaços que não conto a ninguém. E nem me sei. Mas vejo as cordas e os movimentos e as alturas e vertigens, e a dor física mesmo no sonho, paradoxo brutal.



Vejo relva e uma biblioteca. Vejo loucura, montanhas e fugas e corridas e perseguições e caminhos infinitos e tarefas infindáveis. Vejo-te a ti, e a ti, e não percebo porque me aparecem.







MF










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