sexta-feira, 13 de maio de 2016





 [ESCRITA SEMI-AUTOMÁTICA]


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No inicio talvez fosse tudo, interligação de espaços e fios supersónicos, correntes excedentes, mares, céus, galáxias a explodir no entre-tanto desassossego bom, vida, a querer erguer-se no seio de um qualquer sol. Mergulhei de encontro ao subconsciente para atingir o sem-palavras de tudo e tentar gravar assim, em torrente quase caótica, em espasmos, em vislumbres vários e simultâneos. Transbordantes, as margens do outro lado do mundo. Graciosa a existência muda e cheia de tempo e memoria. E o amor, ainda no lembramos do amor como se fosse a primeira e última vez. e sabemos que estaremos cá de novo, sabemos sem realmente saber, ter modo racional de o saber, apenas instinto, apenas tacto infinitesimal por dentre o sonho e consciência de nós, meditações nos cumes altos da solidão de nós, quando olhámos para baixo e chorámos com tanta transcendência. Ainda me lembro de nunca ter sido humana. ainda me lembro das estepes em flor e dos cruzados negros atravessando mil mares e ilhas profundas e latentes pulsares em toda a primavera. viajámos por todo o mundo para voltármos até nós. unimos as paredes e os corações, e os corações expandiram-se um dia submersos. Um dia submersos emergiram até tocarem as cores e o instante e beijarem quente o seu próprio sangue animado de vida.

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treva, laços, incríveis girassóis do outro lado. acordar, acordar e amar de novo. acordar e as manhãs em flor, o orvalho húmido sob as folhas e o céu sempre pronto a causar espanto no nosso olhar. foi até cá dentro, foi tanto até cá dentro esse sobressalto primordial de saber-me viva, aqui, canal potencial para a manifestação da graça e luz. mas só depois de tratar de fazer cair as barreiras com que achei a minha carne rodeada. porque às vezes tenho tanto medo. às vezes sou tão esse lado de criança. e esquecemo-nos da luz, esquecemo-nos do olhar puro e pronto para os dias, pronto para cair em mil poças e rir de estarmos desarrumados, desalinhados, com a terra nas nossas calças e a primavera nos corações. um dia queremos filhos e queremos que sejam a concretização mais cuidada, mais esforçada, da própria vida, seguindo uma linha simples, uma lógica alem razão

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vamos perecer vivos, por favor

vamos jogar as trevas para depois, depois sempre adiado, sempre depois
agora luz, agora amor, agora pólen e flor, agora amor

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se voltares vou amar-te sem possessão, se voltares vou ter contigo caso seja aquela humana que escrevo
que não pede para ficares, apenas para ficares no momento, em cada momento
o resto dos dias vive, o resto dos dias sobrevive e cuida da tua flor
não peço que fiques, apenas que estejas lá quando te precisar lá
e que não voltes a tocar no que ficou para trás
nem abuses das palavras somente dos silêncios cheios e abertos e excedentes,
diz-me tudo com os olhos e se puderes com as mãos 
sem medo de nos tocarmos muito fundo outra vez
porque não peço que fiques, não quero ficar na verdade, sou um pássaro solitário
ando a perscrutar por debaixo de cada pedra e fico ausente por meses
ando a experimentar alturas e a procurar as minhas asas
estou a aprender sobre a queda e sobre a dor, sobre o desapego, sobre o amor ainda
estou a mergulhar muito fundo na minha ânsia de ascensão 
e as vezes gritam me do mundo que sou ainda humana e eu volto então 
eu volto e esforço-me por esquecer das coisas que são prementes de compreender para mim
é uma bênção - quem me consegue firmar aqui ausente de qualquer pensamento
ausente qualquer desejo de ir, de voltar para o meu próprio silêncio
é uma bênção que me consigas fazer esquecer do espaço e do tempo
por momentos, por momentos não há falta, não há espaços que sangram incógnitos
cansados de serem espaços vazios e inacessíveis à compreensão lógica
porque afinal eu tenho tudo
e há ainda um vazio 
e há tanto tempo que não observo, não sou protagonista e espectadora simultânea
da construção em crescendo do próprio momento perfeito e por isso perpétuo
a sincronia, em tempo real todo um castelo do caos, de som e cor e silêncio
não há palavras, é uma sinestesia imensa que vale por toda a existência


*

eu tenho a pulsação da palavra nas veias e na cabeça
eu quero hoje dizer-te tudo o que guardei por meses confinado a imagens solitárias e dispersas
hoje tenho tanto para dar que quase morro de não poder correr até a ti e ter um meio de dar tudo
pergunto-me tantas vezes se me ouves. sei que não. porque não acordo com uma mensagem tua, nem me visitas nos sonhos. nos sonhos sinto meu corpo e minha alma acordados como na vida. (já quiseste ficar num sonho?) eu tive um sonho. eu tive um sonho onde morreria. e estavas lá. e atravessei um túnel negro até acordar com as minhas palavras ecoando. sabes o que eu disse? eu disse-te um dia. mas não te lembras.  - Tão bonito.

*


Sentiste o sobressalto magno de estar vivo ?



MF









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