27.11.2018
Porque tentas ?
eles não sabem
dessa urgência
desse sobressalto dentro
impossível
dessa fuga
que não se pode remediar
Não sabem a natureza
dessa cascata
és de carne mas és de Marte
eles não sabem
e ainda tentas
uma ponte, uma linguagem
para dizer
a fonte, o caminho, a disrupção
das imagens
que te param
que te cessam
essa inquietação e destino
esbatido
esse grão, que é como te vês
e a tua fome
esse teu ídolo
onde o desamparo te deita
fogo e lágrimas
sensualidade violenta
ou a mais inocente criança
aninhada nos seus braços
sem amanhã
mas a manhã chega
com a tua memória como orvalho
os ossos agora estremecem
farpas, ranhuras, micro-fracturas
ancestrais chamamentos
por todo o teu ser
e escreves fel
e só querias escrever luz
*
eu não sei a palavra sacrifício
agora
desligada de um frame mais vasto
eu não sei crescer
eu não sei agarrar
eu não sei correr
mesmo com os calcanhares
espicaçados
eu não sei firmar
meu espírito num lugar mais alto
e esqueço me
(é tao fácil esquecer)
nestes momentos
do mais essencial fluir
não eram lágrimas retidas
a razão da pedra muda no coração
eu chorei
eu orei
fechei os olhos para sentir
a graça de um raio de sol
mas sentia me apertada
sapatos rígidos
nó do laço da gravata
e em cada espelho não me via eu
e despi-me
desesperada para me ver
e ainda estou sem mim depois de
tudo isso
queria que fosse fácil perceber os
caminhos
e onde estou quando me sinto no
fundo
onde fui, como sou, outra vez
eu só sei amar
não sei ir sozinha sem ver os
contornos
de uma espécie de casa no horizonte
sinto as lágrimas nos olhos do meu
pai por mim
sinto-lhe agora as lágrimas
e ainda ontem me ri
dessas lágrimas, “ não te preocupes” disse lhe eu,
“
que a vida sempre acontece “
E és tao nova, disse me ele
“
para estares cansada do mundo “
Lembrei me dessa conversa
Não sei o que falta
Para retornar
Uma noite, um belo sono sem sonhos
Ou um sonho bom
E acordar de novo
com a luz através das frestas
Da janela do meu quarto
Acordar de novo
Com o meu Deus
As têmporas aplacadas
A deleção do tempo na cabeça
A transposição aguda no coração
*
Mas o carrasco é mortal se lhe
olhar os olhos
E uma ficção se desviar o
contrapeso
De uma espécie de derrota inata
Ontológica
Da minha mãe até a mim
Separar me e quebrar me
Das ideias onde me deito
Onde me confundo
E fico sem o meu nome
nessa névoa
fico sem o meu riso
minha graça, minha força
minha direção foi apontada ao céu
com toda a vida
minha direcção um dia apontada à vida
no seio da maior desdita
Mas recolhi me e recolho me
como animal ferido
quero fazer o mundo dentro do mundo
sem queimar o meu cordeiro
quero esse deus dentro do meu peito
mas temo olhar para o meu peito
sem o amar. E a este chão frio que
não entendo
apenas queimar num altar sereno
que aceito
como o lugar onde expiar-me
onde imolar os falsos deuses
do meu pensamento
e sair com os pés feridos do outro
lado
o cabelo rapado
dizer tudo cresce, tudo regenera
apenas
o fel principia a queda
tudo
se vive, tudo se contorna
tudo
se resolve numa misteriosa hora
e que tudo perdoes
que tudo perdoes e que tudo seja
graça
esses teus olhos de criança
não os apagues da tua memória
essa solidão que precisas
não a faças invólucro
porque o frio é o afastamento
que não deste conta onde ou quando
Agarra-te agora, como se não
houvesse deus
esse é o teu deus.
*
Hão-de parar os sonhos que te
acordam
Campainhas graciosas substituirão
Os estrondos
E esse mono bem no centro da tua
estrada
A sua sombra, a sua solidez, faz-te
voltar
Para aquilo que conheces
Como ainda não sabes
Debaixo de um sol velho envelheces
Álibis de intuição e desconforto
Não são sinais
Nem o teu corpo que te trai
(Temes)
A voz do mundo diz-te que é difícil
Mas não é labirinto
Pensas
de mais
diz-me o meu amor
E eu só pretendo escolher
A melhor armadura da montra
Mas sitiada estou
Pelas ampliações dos meus Guardas
Em extensão. Em altura. Eu vejo-me
Dilacerada
Um mar sem terra.
Sem paz e sem guerra.
(Minha paz é febre
saciada num quarto)
MF
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