sexta-feira, 30 de novembro de 2018





27.11.2018


Porque tentas ?

eles não sabem

dessa urgência

desse sobressalto dentro

impossível

dessa fuga

que não se pode remediar



Não sabem a natureza

dessa cascata

és de carne mas és de Marte

eles não sabem

e ainda tentas

uma ponte, uma linguagem

para dizer

a fonte, o caminho, a disrupção

das imagens

que te param

que te cessam

essa inquietação e destino

esbatido

esse grão, que é como te vês

e a tua fome

esse teu ídolo

onde o desamparo te deita

fogo e lágrimas

sensualidade violenta

ou a mais inocente criança

aninhada nos seus braços

sem amanhã

mas a manhã chega

com a tua memória como orvalho

os ossos agora estremecem

farpas, ranhuras, micro-fracturas

ancestrais chamamentos

por todo o teu ser

e escreves fel

e só querias escrever luz



*

eu não sei a palavra sacrifício agora

desligada de um frame mais vasto

eu não sei crescer

eu não sei agarrar

eu não sei correr

mesmo com os calcanhares espicaçados

eu não sei firmar

meu espírito num lugar mais alto

e esqueço me

(é tao fácil esquecer)

nestes momentos

do mais essencial fluir

não eram lágrimas retidas

a razão da pedra muda no coração

eu chorei

eu orei

fechei os olhos para sentir

a graça de um raio de sol

mas sentia me apertada

sapatos rígidos

nó do laço da gravata

e em cada espelho não me via eu

e despi-me

desesperada para me ver

e ainda estou sem mim depois de tudo isso

queria que fosse fácil perceber os caminhos

e onde estou quando me sinto no fundo

onde fui, como sou, outra vez

eu só sei amar

não sei ir sozinha sem ver os contornos

de uma espécie de casa no horizonte

sinto as lágrimas nos olhos do meu pai por mim

sinto-lhe agora as lágrimas

e ainda ontem me ri

dessas lágrimas, “ não te preocupes” disse lhe eu,

“ que a vida sempre acontece

E és tao nova, disse me ele

“ para estares cansada do mundo “

Lembrei me dessa conversa

Não sei o que falta

Para retornar

Uma noite, um belo sono sem sonhos

Ou um sonho bom

E acordar de novo

 com a luz através das frestas

Da janela do meu quarto

Acordar de novo

Com o meu Deus

As têmporas aplacadas

A deleção do tempo na cabeça

A transposição aguda no coração



*

Mas o carrasco é mortal se lhe olhar os olhos

E uma ficção se desviar o contrapeso

De uma espécie de derrota inata

Ontológica

Da minha mãe até a mim

Separar me e quebrar me

Das ideias onde me deito

Onde me confundo

E fico sem o meu nome

nessa névoa

fico sem o meu riso

minha graça, minha força

minha direção foi apontada ao céu

com toda a vida

minha direcção um dia apontada à vida

no seio da maior desdita

Mas recolhi me e recolho me

como animal ferido

quero fazer o mundo dentro do mundo

sem queimar o meu cordeiro

quero esse deus dentro do meu peito

mas temo olhar para o meu peito

sem o amar. E a este chão frio que não entendo

apenas queimar num altar sereno

que aceito

como o lugar onde expiar-me

onde imolar os falsos deuses

do meu pensamento

e sair com os pés feridos do outro lado

o cabelo rapado

dizer tudo cresce, tudo regenera

apenas o fel principia a queda

tudo se vive, tudo se contorna

tudo se resolve numa misteriosa hora

e que tudo perdoes

que tudo perdoes e que tudo seja graça

esses teus olhos de criança

não os apagues da tua memória

essa solidão que precisas

não a faças invólucro

porque o frio é o afastamento

que não deste conta onde ou quando



Agarra-te agora, como se não houvesse deus

esse é o teu deus.



*



Hão-de parar os sonhos que te acordam

Campainhas graciosas substituirão

Os estrondos

E esse mono bem no centro da tua estrada

A sua sombra, a sua solidez, faz-te voltar

Para aquilo que conheces

Como ainda não sabes

Debaixo de um sol velho envelheces

Álibis de intuição e desconforto

Não são sinais

Nem o teu corpo que te trai

(Temes)






*

A voz do mundo diz-te que é difícil

Mas não é labirinto

Pensas de mais diz-me o meu amor

E eu só pretendo escolher

A melhor armadura da montra

Mas sitiada estou

Pelas ampliações dos meus Guardas

Em extensão. Em altura. Eu vejo-me

Dilacerada

Um mar sem terra.

Sem paz e sem guerra.



(Minha paz é febre

saciada num quarto)



MF








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