sexta-feira, 30 de novembro de 2018


Atlas surpreso pelo súbito estranhamento

Entre ele e o mundo

Procurava o fio que o ligasse ao coração

Ele pensou que sabia

Do peso e da montanha

Quando partiu da última primavera



Atlas surpreso pelo súbito estranhamento

A criança chorava

Seiva derramada sob a neve mais pura

As dores eram raízes irrompendo

Para lá dela

Seu berço quente junto à Terra



Atlas surpreso pelo súbito estranhamento

Achava-se armado

Com o código profundo da luta e sacrifício

Não era o único

O mundo estava cá antes

Ele era pequeno, mas cresceu para o carregar



Atlas surpreso pelo súbito estranhamento

Olhava-se ao espelho

Agora é o momento

São só dores do crescimento, diz

Para obliterar aquela palavra,



Metáfora feita de ossos e tecidos contra o nada




Atlas surpreso pelo súbito estranhamento

Quão estrangeira a dor

Para tão humana sina





Mas ele partiu só para voltar

À sua manta, à sua piscina,

Ao seu pseudo-lugar 

À sua urgente convalescença

De todos os sentidos

Esperando

Epifania de outros caminhos

No promontório onde nada acontece

Desfalece, não se reconhece filho

De um mundo que não pode carregar







Na Der Zauberberg

Esperando

Esbanjamento de tempo e procura

Entre o sonho e a bruma

Outra pedra que lhe seja cara

E assim a carregue

Até ao cimo de um monte

Porque sim

Porque assim deve ser

Porque isso é coragem de Ser

Aqui



Não te lembras, quase esqueces

Meu amor

Minha luz, meu ardor, meu desbravar

Fulgurante

Nas prateleiras das mais velhas bibliotecas

Procuravas sem ganância

Porque o fundo é benigno, dizias

E na varanda mais aberta choraste

A melancolia do primeiro amor

As lágrimas não falavam a queda então

E Atlas tem medo agora

Das lágrimas que não se derramam

E se solidificam

As imagens enevoadas

Acidentes do espírito

Longe, venha um rito

Leio sobre mitos

E curas e feitiços

O retorno, a purificação

In illo tempore

Respirar como um recém-nascido

No maior parto acontecer

A ruptura da terra

O solo tóxico absolver

Num estranho e confinado poço

Verter de novo luz

A gravidade maior

Convalescida entre estações.



(Afundam-se mais Atlas

Sem as suas pedras?)









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