sexta-feira, 30 de novembro de 2018





salivam com fardas
e a única pele que tenho é a minha própria carne (que grita)
e os poemas que não vêem
a raíz inocente
frutos amedrontados por Ser
e que eu olho no espelho sem ver
o que quer que eu seja
não sei dizer
mas não sou eu
porque a energia dita o ditame
ou pelo menos o que não és
dita o teu passo, as tuas lágrimas
a tua distância, a tua corrida
a tua queda ou prenúncios de desdita
como ficar sem mim aos poucos
um pouco mais cada dia
porque abafo a minha carne
(a minha fera , a minha libertação )
hedonismo circunscrito a uma ascese involuntária
fogos já fátuos na imaginação
queria os no corpo e não passam de uma alucinação
do que fui e do que fomos
paraíso sem tempo e sem retorno (nesta hora )





*

vi as estrelas mas tremia
era o frio
peito cego comprimia
os músculos tensos na barriga
o pânico da vida esvaindo se num calejamento sem sentido
era o frio
no corpo e no espírito
a lua cheia, os galhos negros,
o lobo de London na cabeça (suspenso)
o "escolhe o teu sacrifício "
e cresce forte e dura e abafa teu espírito"
tu que escrevias "a primazia da Experiência"
sem sentido quando só sentes
o choro gutural do teu corpo
somente havia a sobrevivência
o desconforto animal
a arquétipa fera e a vontade
dos teus ancestrais
pensavas "quão vulnerável "
eras nada no meio de algo selvagem

e o fogo em ti é a volúpia

que se apaga no meio de papéis
e numa postura hirta (hirme!)
pai, falo contigo de novo
sei que só queres o meu conforto
(medido em alojamento e cifrões)
que arranque rápido rumo aos paradigmas do honroso e digno
mas esta segurança é prisão
volta, incerteza ,
horizonte (emoção) que possa ser familiar
onde me veja quando me olho ao espelho
pai , doeu-me mais saber que não me sabias
e como queria estar na cerimônia do prêmio de poesia
flutuo no discurso
naquilo que podemos dizer
nos olhos que podemos ver
eu já sabia mas tentei
não morrer entre papéis
e sem a minha casa
está frio e o pensamento retorna
ao seu ciclo duro e justo
de me dizer a verdade que calava
e se desvelava em sonhos
" essa não és tu"
e eis o que é estar numa pele que não me encaixa - fardada
(fardas , orgasmos múltiplos de uma mente mal formada)
(se vestisse trapos queriam-me aqui?)
mãe, sei que sou desarrumada ( às vezes ) mas sempre arrumo a meu tempo
sem mil relógios a badalar
e o comboio,
gostava de poder chegar
a casa sem esperar
uma semana inteira
gostava de pertencer , fora de mim
mas navego junto às minhas paixões
aos meus lares
talvez meus lares sejam prisões
que não me deixam partir
mas são as que escolhi
e pai, essa "vida feita" como dizes
é eufemismo de nada
apenas esquecendo a vida
vida feita
apenas dolorosamente hirta
vida feita
apenas sacrificando o ontem
por um ídolo baço e monumental
vida feita



*

cantava Dionísio em silêncio
ou num quarto
perdida dentro de um círculo bem humano
cordas eram ficções
narrativas de outras vidas
ónus que não podia carregar
e disseste-me para subir à árvore
(és meu pai e não viste
- que sou um peixe ?)



MF


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