domingo, 12 de setembro de 2021

 

C,


Quando aceitamos a solidão de uma não correspondência amorosa libertamo nos finalmente da compulsão por ela. Aceitar a solidão é sorrir sozinha, ter coisas que amamos fazer, algo que depende de nós -uma família, um cão, um gato, um pássaro, uma coisa bonita.

A dor lava nos de tudo o que é fútil e insuficiente, de tudo o que não é autêntico mas aparente. Não podemos negar as lágrimas, elas são sinais antigos. Não podemos negar a necessidade de um aperto, de um beijo, abraço, de uma mão. Porque somos do sangue dos mamíferos, uma palavra que quer dizer "do peito". Somos os rhesus num laboratório que se agarram a uma mãe peluche. Essa metáfora tão viva, da substância de vida que está no amor que se toca. Está nos cheiros, nos olhares, por consequência no cuidar, proteger, partilhar. Amar é a vida entrelaçando se numa outra e ampliando o coração, dando força ao coração num mundo onde tudo perdemos. Amor é puro, isento do frívolo que impera em tudo o que é material, utilitário ou meramente sensual. Estamos vivos. E estarmos vivos significa que batalhamos contra o medo, a falta, a vulnerabilidade, a apatia, o cansaço, contra a desesperança, contra as coisas meio mortas, contra a hipocrisia, contra a perfeição das máquinas lógicas e juízos sociais.  A vida é duas coisas ao mesmo tempo. Porque o espírito é forte e frágil como um pássaro. Ele ora por um mundo a que os adultos chamam de fantasia - a fantasia de um mundo de pessoas boas, de relações baseadas em amizades sinceras, um mundo de coisas inúteis sumamente necessárias - a arte, o amor, a beleza, o sagrado das palavras, o cuidado ante cada gesto e a altura inconcebível de um pedido de perdão.

Podemos estar sós mas mais cheios. A solidão fortalece nos no final, crescemos a partir da amargura. E nunca, nunca estamos tão sós como nos sentimos. Vi o teu rosto  cabisbaixo, os teus olhos semi-aguados, de lacerações humanas. A violência é o amor calcado. Visto pelos olhos de uma criança. Um pai que não foi marido (deixou de ser pai). Um irmão que desertou para dentro da sua própria fúria (deixou de ser irmão). Um companheiro ausente e uma casa vazia. Cada fuga ou solidão nociva é mácula que se transmite e herda  -  mas escolho ver o amor nos olhos de criaturas de quatro patas em corridas efusivas.  Ou em amizades antigas e famílias unidas.  Mereces tudo isso, porque és amor aos meus olhos. Porque choras, porque queres amor. Não és um centro escuro na corrida da vida. 


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